Você trocaria um bode por um carro? O problema de Monty Hall, e como probabilidades não são intuitivas
Imagine um programa de auditório, tipo Sílvio Santos, com três portas fechadas. Atrás de uma das portas, um belíssimo automóvel 0 Km, por trás das outras duas, um bode em cada. As três portas estão numeradas, de 1 a 3.
O participante escolhe uma das três portas, digamos, a porta 1. O apresentador, fazendo um suspense enorme, abre uma das duas portas restantes, digamos a porta 2, revelando um bode atrás dela!
A seguir, ele faz uma proposta ao participante: você quer mudar a sua escolha? Desistir da porta 1, escolhida anteriormente e escolher a porta restante, a 3?
Ilustração do problema de Monty Hall
E aí, o participante deve ou não mudar sua escolha?
Esta questão não é nova. Muito pelo contrário. A mesma questão foi feita em 1990 à Marilyn vos Savant, que tinha seção na revista Parade magazine, onde ela respondia a perguntas diversas. Nota: Marilyn era conhecida como a pessoa que tinha o QI mais alto do mundo!
Após a resposta de Marilyn, este problema ficou conhecido por “Monty Hall Problem”, por conta de um programa de auditório americano, ao estilo dos que temos no Brasil.
Marilyn respondeu que sim, o participante deve trocar de porta. A resposta criou polêmica. Ela recebeu cerca de 10 mil cartas de leitores furiosos, irados com o raciocínio empregado. Inclusive, dessas cartas todas, cerca de mil eram de acadêmicos, criticando veementemente a resposta dada, e exigindo retratação da autora!
Porém, Marilyn estava correta, e outra legião de acadêmicos colocou-se ao seu lado.
Vejamos a seguir dois caminhos: uma justificativa teórica e uma simulação em Python para colocar o tema à prova.
Justificativa teórica
A resposta contra-intuitiva é que você sempre deve trocar de porta.
No início, a probabilidade de o carro estar atrás da porta escolhida é de 1/3, enquanto a probabilidade de estar atrás de uma das outras duas portas é de 2/3.
Quando o apresentador abre uma das portas que você não escolheu, mostrando um bode, ele não muda a probabilidade de sua escolha inicial, que permanece em 1/3. No entanto, a probabilidade de o carro estar atrás da outra porta fechada (que você não escolheu inicialmente) agora é de 2/3, pois o apresentador sempre vai abrir uma porta que tem um bode.
Note este ponto: o apresentador sempre vai abrir a porta com o bode, e nunca a com o carro. O apresentador sabe onde o carro está, e obviamente não vai abrir esta porta, para não acabar com a brincadeira.
Portanto, trocar de porta dobra suas chances de ganhar o carro de 1/3 para 2/3.
Simulação em Python
A seguir, uma pequena rotina em Python, para simular o problema de Monty Hall.
import random
nTrials= 10000 #Número de repetições do experimento
countSemTrocarPorta = 0
countTrocandPorta = 0
for trial in range(nTrials):
#Sorteio de porta onde o carro estará
portaSucesso = random.randint(0, 2)
#Sorteio de porta escolhida pelo participante
portaEscolhida0 = random.randint(0, 2)
if portaEscolhida0 == portaSucesso:
countSemTrocarPorta += 1
#Se a porta escolhida inicialmente for a que tiver o carro, ele vai ganhar se mantiver o palpite inicial, e perderá se trocar o carro
else:
countTrocandPorta += 1
#Se a porta escolhida inicialmente não fora a do carro, ele vai ganhar se trocar a porta, porque o Silvio Santos terá eliminado a porta com o bode
probSemTrocarPorta = countSemTrocarPorta /nTrials*100
probTrocandoPorta = countTrocandPorta /nTrials*100
print(f’A probabilidade de sucesso sem trocar a porta é de {probSemTrocarPorta}%’)
print(f’A probabilidade de sucesso trocando a porta é de {probTrocandoPorta}%’)
Rodando a mesma, o resultado é próximo ao número teórico de 1/3 de sucesso sem trocar a porta, e 2/3 ao fazê-lo.
Resultado do experimento numérico
Conclusões
O problema causou inúmeras controvérsias, por conta do raciocínio: “agora tenho apenas duas portas, então a probabilidade é de 50%”. Entretanto, são apenas duas portas condicionadas ao fato do apresentador, sabendo a configuração das alternativas, ter eliminado uma das portas com o bode.
Este problema ilustra a dificuldade que as pessoas têm em intuir sobre probabilidades em geral. Portanto, técnicas de probabilidade e estatística são uma enorme vantagem competitiva para quem as domina de fato.
Referências
Originally published at http://ideiasesquecidas.com on December 6, 2024.