Sofista — Diálogo de Platão

Arnaldo Gunzi
6 min readFeb 26, 2023

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Continuando o meu registro de notas dos Diálogos de Platão, o diálogo “Sofista” ocorre pouco depois do anterior, “Teeteto”, tendo inclusive este como um dos personagens.

O livro é o mesmo, sendo a vez do segundo diálogo. Para notas do primeiro, vide links no final do texto.

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Desta vez, Sócrates ocupa um papel menor no diálogo. Ele apenas é introduzido a um viajante da cidade de Eleia, que faz a maior parte da argumentação. Outros personagens são Teeteto e Teodoro — o primeiro um jovem matemático promissor, e o segundo, o mestre do anterior.

O tema: sofistas. São professores da arte da retórica e persuasão, que recebem dinheiro pelos ensinamentos e são requisitados por políticos e outros que necessitam da arte do convencimento. Platão sempre critica os sofistas, através de Sócrates como personagem de seus livros — porém, dessa vez, as palavras saem da boca do viajante de Eleia. E a crítica principal é que estes não necessariamente buscam a verdade através da argumentação, e sim, vencer o debate.

Conclusão do diálogo em um parágrafo, para quem está com pressa:

“O tipo imitativo da parte dissimuladora da arte da opinião, que constitui parte da arte da contradição e pertence ao gênero imaginativo da arte da produção de cópias, que não é divina, mas humana, e que foi definida por força de argumentos como a parte de prestidigitação da atividade produtiva. Aquele que disser que o sofista pertence a essa raça e família estará, a meu ver, dizendo a completa verdade.”

Platão é sempre denso, difícil de compilar em poucas palavras. Vamos detalhar a seguir.

Início — Comparação com pescaria

A pescaria é uma arte, no sentido de necessitar habilidade e capacidade de produzir um resultado.

Dentre as artes, há as produtivas e as aquisitivas.

- Produtivas: que têm potência própria para produzir algo que não existia, como a música, pintura

- Aquisitiva: manipulação de algo já produzido, como o estudo, e é aqui que a pescaria se encaixa

Mais tarde, o viajante de Eleia argumenta que o sofista também se encaixa na arte aquisitiva, na medida que não produz nada de novo.

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Pescar a riqueza e a juventude através da persuasão

Outra analogia. Arte aquisitiva trata da caça aos animais, em lagos e rios. Os sofistas se voltam para rios de outro tipo: rios de riqueza e juventude, prados generosos, com a intenção de submeter os seres vivos neles existentes.

Ao invés de ser uma escravização pela força, é através da retórica, oratória política, coletivamente chamada de arte da persuação.

A sofística é a caçada aos jovens ricos e promissores, dos quais recebem pagamentos.

Banhos e purificação

Um banho é a purificação do corpo.

Há dois tipos de males na alma — uma é a perversidade, outra a ignorância.

A purificação da insolência, injustiça e covardia se dá através da Justiça.

E a purificação da ignorância se dá através do ensino.

O lobo é muito semelhante ao cão. O homem cauteloso deve tomar cuidado com semelhanças, pois são muito enganosas. A arte da sofística é a refutação da sabedoria pela crença vazia (referindo-se a sofistas vencerem argumentos através da retórica ao invés de procurar a verdade).

O sofista é um vendedor de conhecimentos para a alma, de artigos de sua produção de conhecimento. É um atleta nas competições verbais, é distinto na arte da disputa.

Não é possível um ser humano conhecer todos os assuntos do mundo. Por outro lado, a arte da retórica pode ser ensinada, de forma que ele pode persuadir outros, baseado em mera opinião, e não no conhecimento verdadeiro.

prompt = “an old stoic sage, in ancient greek clothes speaking to a group of young men, in old greek clothes. Background: a beautiful forest, with a lot of green trees. clear day, sun shining. semi realism, digital illustration, fantasy. highly detailed, 4k”

Sobre semelhanças

O que produz aparência, mas não semelhança, seria a arte da imaginação.

O sofista é um prestidigitador, um imitador de coisas reais. Um operador de falsidades.

Alguns imitadores imitam com conhecimento daquilo que imitam, ao passo que outros o fazem sem esse conhecimento.

Há o imitador franco, tolos que pensam conhecer mas não o fazem, e o imitador dissimulado, que pela sua experiência, sabe estar imitando — e a classe dos sofistas pertence ao último.

Sobre o Ser e Não-Ser

O diálogo altera o rumo, com o viajante de Eleia falando sobre ser e não-ser. Ele diz que vai contrariar o seu mestre Parmênides, e mostrar que sob certo aspecto, o ser não é e o não-ser é.

O que é o ser? Seria algo uno ou múltiplo? Mas se forem múltiplos, seria dois em um, quente e frio, seco e úmido. Dois não pode ser igual a um.

Batalha de deuses e gigantes a respeito do ser. Alguns arrastam tudo do céu e do invisível para a Terra, agarrando rochas e árvores com suas mãos, insistindo que só aquilo que é tangível e manuseável é o ser. O ser e o corpo são idênticos.

Mas o ser também não teria formas incorpóreas, como a alma? E a alma, não é invisível? O diálogo prossegue com um sim, à esta última questão.

Com os nossos corpos e através da percepção participamos do vir-a-ser, enquanto com nossas almas, através do pensamento, participamos do efetivo ser, o qual é imutável e idêntico, ao passo que o vir-a-ser varia no tempo.

E retorna ao ponto do ser ser um ou múltiplos, o ser ter elementos de não-ser e vice-versa.

Essa discussão me lembrou a famosa frase de Hamlet, de William Shakespeare:

prompt = “Prince Hamlet with a skull. comic book ilustration, no text, 4k”

Conclusão

A conclusão do discurso é o resumo do primeiro parágrafo, repetido aqui para conveniência do leitor:

“O tipo imitativo da parte dissimuladora da arte da opinião, que constitui parte da arte da contradição e pertence ao gênero imaginativo da arte da produção de cópias, que não é divina, mas humana, e que foi definida por força de argumentos como a parte de prestidigitação da atividade produtiva. Aquele que disser que o sofista pertence a essa raça e família estará, a meu ver, dizendo a completa verdade.”

O ataque aos sofistas é recorrente na obra de Platão. Para traduzir tudo isso que o filósofo diz, uma imagem que me vem à mente é a de um advogado de bandido de colarinho branco. Aquele ministro do STF que interpreta a justiça à sua maneira, recorre à repimboca da parafuseta da lei para apontar uma inconsistência jurídica e livrar o empresário amigo rico. Ou seja, alguém que usa a retórica e a argumentação não para atingir a verdade, mas para proveito próprio.

Arnaldo Gunzi
Fev 2023

Veja também:

https://ideiasesquecidas.com/2023/02/21/o-que-e-o-conhecimento-teeteto-dialogo-de-platao

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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