Sobre o filme “Zona de Interesse”

Arnaldo Gunzi
3 min readApr 17, 2024

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Algumas impressões sobre o excelente filme “Zona de Interesse”, vencedor do Oscar de melhor filme internacional de 2024, entre outros prêmios.

É um filme perturbador, para dizer o mínimo. O texto a seguir contém spoilers, recomendo ver o filme antes de continuar a leitura.

O ritmo dele é lento. É o de uma família comum, aparentemente. Pai, mãe e cinco filhos, vivendo uma vida comum. O problema é que o pai é Rudolf Höss, oficial nazista responsável pelo terrível campo de concentração de Auschwitz. E a família vive literalmente do outro lado do muro do campo de concentração!

A vida da família é boa e tranquila. Uma bela e grande casa, jardim bonito, piscina e uma estufa para plantas. Uma família vivendo como qualquer outra família viveria: recebendo amigos, com criados pessoais ajudando no dia-a-dia. Porém, ao fundo, do outro lado do muro, prédios cinzentos. Sons de gritos ao fundo escancaram a incoerência.

Os sons destoam das imagens. São como dois filmes em um. Belíssimas cena de imagens de flores, acompanhados de sons angustiantes. Um barulho sutil de uma máquina trabalhando. Gritos. Comandos ríspidos. É perturbador imaginar o que ocorre do outro lado do muro.

Em contraste às cenas principais da casa, ao fundo, de quando em quando aparece uma chaminé com uma fumaça espessa saindo — nem queira saber o que está sendo queimado…

O filme trabalha bem essa questão de imagens e sons. Se o cinema tivesse cheiros, com certeza também estaria fortemente presente. Eu, particularmente, sou bem sensível a sons e cheiros. O odor é algo que me incomoda muito. Um vizinho fumando me incomoda. Fiquei o tempo todo imaginando como deveria ser o odor de um lugar desses.

Enquanto isso, Rudolf Höss e a esposa vão vivendo sua vida, preocupados com suas vidas.

Numa das cenas, Höss discute um projeto com um engenheiro. Como aumentar a produtividade do seu trabalho? Uma questão comum e cotidiana a todos nós torna-se sombria no caso em questão. A discussão era sobre nova tecnologia de fornalhas, uma que queimava de um lado e permitia que o outro lado resfriasse e fosse limpo, de modo a permitir uma operação contínua. De novo, adivinha para quê utilizavam os fornos?

Enquanto isso, Hedwig, a esposa de Höss, tem imenso orgulho de sua casa dos sonhos, alheia ao destino horripilante dos habitantes do outro lado do muro. Ela até recusa a se mudar da casa, quando o marido é transferido para outro local.

Próximo ao fim, Höss tem a chance de comandar uma grande operação — uma operação que envolve transporte de milhares de pessoas para campos de concentração, seu destino final. Ele comenta com a esposa sobre o seu êxito, o orgulho da operação ser nomeada com o seu próprio nome.

Numa das cenas finais, Höss vomita enquanto desce uma escadaria. É uma cena ambígua. Seria alguma forma de culpa? Ou não?

Nem vou entrar no mérito de discutir a “banalidade do mal”. De alguma forma, todos nós também fechamos os olhos para problemas que ocorrem em nossas vizinhanças, tocando a vida normalmente. Mas é realmente impressionante a banalidade do mal, no filme.

O filme Tubarão é aterrorizante justamente porque o tubarão nunca apareceu em tela. Todo o clima o leva a imaginar o monstro, e a imaginação é mais poderosa do que a realidade. Neste filme, é o mesmo, nada de Auschwitz aparecer diretamente: imagine o mesmo a partir deste e de outros relatos.

O filme Zona de Interesse é baseado em fatos reais, e justifica todos os prêmios que recebeu e ainda receberá.

Disponível no Amazon Prime Video.
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Aproveitando, segue outra indicação: Maus, a história de um sobrevivente.

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Originally published at https://ideiasesquecidas.com on April 17, 2024.

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Arnaldo Gunzi
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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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