Protágoras — Diálogo de Platão

Arnaldo Gunzi
6 min readMar 5, 2023

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A virtude pode ser ensinada? Essa é a pergunta central deste Diálogo de Platão, entitulado “Protágoras” — o oponente principal deste embate. Protágoras era da opinião de que a virtude poderia ser ensinada, ao passo que Sócrates era da opinião contrária.

Protágoras foi um excelente orador, um dos mais ilustres sofistas gregos da época. Nenhuma de suas obras sobreviveu aos dias atuais, e o conhecemos pelas críticas de Platão em seus Diálogos. Sócrates, muito mais jovem do que Protágoras neste diálogo, foi o mestre de Platão, e personagem principal dos diálogos escritos por este último.

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Sobre Sofistas

Como uma preliminar, Sócrates fala sobre sofistas com Hipócrates.

Sócrates inicia o diálogo atacando os sofistas, como era o seu estilo: “O sofista é uma espécie de mercador que mascateia com provisões das quais uma alma é nutrida”.

Como uma alma é nutrida? Com ensinamentos, e tal qual um vendedor habilidoso e com poucos escrúpulos que se limita a vender o que tem, um sofista pode nutrir a alma dos jovens apenas com as próprias mercadorias.

Outra comparação pouco lisonjeira que Sócrates faz: sofistas são como Orfeu, que encanta as pessoas com sua voz. Elas o seguem como se estivessem num transe.

Analogia para ficar mais próximo dos nossos tempos: o sofista é como o flautista de Hamlin.

Protágoras, Prometeu e Epimeteu

Ao encontrar Protágoras, eles discutem sobre a profissão deste, que diz fazer um homem melhor após as suas aulas, e obter progresso cada dia a mais que o aluno passar com ele. O sofista diz ter o objetivo de fazer dos homens bons cidadãos.

Sócrates retruca com o caso de Péricles, um pai de excepcional virtude, que concedeu aos filhos a melhor educação possível em tudo o que existisse de mais importante, porém, mesmo assim, não logrou êxito em fazer dos filhos grandes homens. Após complementar com outros exemplos similares, ele diz ser da opinião que não é possível ensinar a virtude.

Protágoras retruca com a lenda de Prometeu e Epimeteu (vide https://ideiasesquecidas.com/2023/03/04/a-lenda-de-prometeu-epimeteu-e-pandora-ilustrada-pelo-dall-e/). Sobre a lenda, a parte enfatizado por Protágoras é a da sabedoria para a vida cívica em comunidade.

Com as habilidades advindas de Prometeu, os seres humanos foram os únicos a terem capacidade de articulação, fala, e, em sequência, capacidade para venerar os deuses. No início, as pessoas viviam em pequenos grupos, esparsos e isolados, sendo presa fácil para animais mais fortes.

Tão logo começaram a se unir em grupos maiores, era evidente que careciam da arte política, e começaram a perpetrar injustiças entre si.

Assim, Zeus, temeroso quanto à extinção do ser humano, pediu para Hermes instaurar o senso de justiça e pudor igualmente entre os seres humanos.

“De que forma deverei distribuir esses dons?” — pergunta Hermes

Portanto, essa é a razão pela qual todos têm essa virtude, caso contrário os Estados não existiriam. Todos os humanos têm alguma parcela da virtude.

Sobre justiça e virtude

O mal cometido não é o único critério. Digamos, um ato cometido por um animal selvagem tem um peso diferente do mesmo ato cometido deliberadamente por um ser humano racional.

A punição tem objetivo de intimidar tanto o malfeitor quanto qualquer pessoa que assista a ele ser punido — daí o caráter de aprendizado da virtude.

Todos os seres humanos buscam o revide e a punição daqueles que acham que o injustiçaram.

Assim como um ferreiro ou sapateiro adquirem conselhos de outros, os atenienses partilham da opinião de que a virtude é adquirida e ensinada.

Nature x Nurture

O pai e a mãe da criança não poupam esforços para que a criança se torne a melhor possível, empregando cada ação e cada palavra para mostrar-lhe o que é justo, o que é injusto, o que é nobre, o que é vil, o que é sagrado, o que é sacrílego. Também enviam-na à escola para que os mestres dediquem muito mais a fomentar a boa conduta.

Quando deixam a escola, é a vez do Estado obrigar as pessoas a aprender as leis e viverem em conformidade com elas, para que sua conduta não seja determinada pelos próprios caprichos.

Sobre os filhos que, mesmo após o esforço dos pais, não adquirem a virtude, Protágoras faz analogia com um flautista talentoso, que, por mais que ensine, não consegue que os filhos tenham tanto êxito. E vice-versa — é frequente o filho de um bom instrumentista converter-se num mau instrumentista, e igualmente frequente o filho de um mau instrumentista tornar-se um bom instrumentista.

O contraponto de Sócrates

Após elogiar (e muito) o discurso de Protágoras, Sócrates coloca outros pontos de questionamento.

Primeiro, que virtude é composta por justiça, moderação, devoção (religiosidade), sabedoria e coragem, sendo todas elas distintas umas das outras.

VIRTUDE = JUSTIÇA + MODERAÇÃO + DEVOÇÃO + SABEDORIA + CORAGEM

Das 5 partes, 4 delas têm semelhança entre si, exceto a coragem, que é inteiramente diferente.

Sobre a coragem, pode ser aparência de coragem devido à ignorância, ou coragem em si mesma — a busca de algo nobre, bom e prazeroso.

Seriam os soldados mais corajosos os que ignoram o perigo ou os que têm conhecimento?

Os covardes vão à busca de pouco risco e dispensam o espírito resoluto, ao passo que os corajosos vão em busca de coisas temíveis. Para ser corajoso de verdade, a pessoa deve ter conhecimento real do perigo, e mesmo assim tomar a decisão de ir em frente.

Porém, Protágoras entende a “pegadinha” de Sócrates. A inversa não é verdadeira. Nem todas as pessoas sábias são corajosas.

O truque de Sócrates é dizer que a virtude é única, inclusive nas diversas facetas, sendo a coragem uma delas e a sabedoria outra. E forçar a conclusão de que nem todos os sábios serão corajosos…

O diálogo se encerra com uma troca da posição dos oponentes. Sócrates, após ter dito que virtude não pode ser ensinada, agora opõe-se a si mesmo, à medida que tudo é conhecimento — justiça, moderação, coragem — de modo que virtude é ensinável. Protágoras, por sua vez, inicialmente sustentava que a virtude seria ensinável, só para verificar que virtude pode ser quase tudo, mas dificilmente conhecimento, de modo que não seria ensinável!

Aparentemente Sócrates ganhou o debate ao fazer o oponente chegar num beco sem saída, só que ele dá uma aliviada no final. Propõe um empate, também reconhecendo os excelentes pontos trazidos por Protágoras.

E assim, o diálogo se encerra, cada um partindo para outros afazeres, e Protágoras elogiando o jovem filósofo Sócrates, prevendo que seria um dos grandes nomes da Filosofia na Grécia.

Comentário final: A leitura de Platão é densa, cheia de pontos rebuscados difíceis de compreender. Porém, é estranhamente agradável, após passadas as barreiras acima. Talvez seja a forma de diálogo, talvez sejam as várias ilustrações com mitologia… Com certeza o peso do conhecimento envolvido torna essa obra imortal.

Veja também:

https://ideiasesquecidas.com/2023/02/21/o-que-e-o-conhecimento-teeteto-dialogo-de-platao/

https://ideiasesquecidas.com/2023/02/26/sofista-dialogo-de-platao/

https://ideiasesquecidas.com/2023/03/04/a-lenda-de-prometeu-epimeteu-e-pandora-ilustrada-pelo-dall-e/

Originally published at https://ideiasesquecidas.com on March 5, 2023.

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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