Poder e Progresso, segundo um Nobel de Economia

Arnaldo Gunzi
8 min readJan 23, 2025

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Poder e Progresso, novo livro de Daron Acemoglu

Daron Acemoglu ganhou o Nobel de Economia de 2024, com o livro “Why Nations Fail”, além de diversos artigos e contribuições outras. O ponto principal dele e dos coautores é tentar explicar a riqueza e pobreza das nações do ponto de vista de instituições. Guarde esta palavra, “Instituições”.

“Poder e Progresso” é o novo livro dele, que explora a relação entre tecnologia, poder e progresso econômico ao longo da história.

Temos a noção de que, quanto mais tecnologia, melhor. E que os avanços científicos da humanidade beneficiam a todos igualmente.

Acemoglu argumenta que isso não é verdade. Avanço científico, por si só, não leva ao benefício de todos automaticamente. Tecnologia traz aumento de produtividade num primeiro momento, e concentração de renda num segundo momento.

A redistribuição de renda vem de boas instituições (falei para guardar o termo) e de exigências sociais das classes desfavorecidas — aí sim, há o benefício para todos.

A tecnologia pode ser usada tanto para o bem comum quanto para reforçar o poder das elites.

Tópicos principais abaixo.

Sobre Poder e Persuasão

O poderio econômico leva a aumento de influência daqueles que são ricos e poderosos. Digamos, nos dias atuais, pessoas como Elon Musk, Bill Gates, Warren Buffett são reverenciados universalmente pelo capital acumulado. Quem tem dinheiro tem voz ativa, e isso ajuda a propagar narrativas favoráveis a eles.

Um caso interessante é o do Canal do Panamá. Construído no início do século passado, o Canal do Panamá tem como inspiração outro canal, o de Suez.

O Canal de Suez, no Egito, liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, e é um canal feito ao nível do mar.

Já o Canal do Panamá, ligando o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico, tinha a mesma ideia de ser feito ao nível do mar. Ferdinand de Lesseps, um magnata da época, conseguiu convencer o governo francês a financiar a obra, em nome do progresso. Depois de uma década, dezenas de milhares de mortes de trabalhadores e cerca de US$ 300 milhões perdidos, a obra foi abandonada. Os americanos assumiram a tarefa, mudaram totalmente o projeto (utilizando eclusas) e concluíram a obra, anos depois.

O caso do Canal do Panamá é um lembrete de que confiar no progresso e nas ideias das pessoas com influência não necessariamente vai gerar resultados benéficos a todos.

Progresso Econômico

Acemoglu destaca que o progresso econômico não é automático. Ele depende de instituições inclusivas que permitam a participação ampla na economia.

Um exemplo é a Revolução Industrial. A tecnologia levou a um grande progresso econômico, mas também a desigualdades significativas. Primeiro, a tecnologia permitiu a automação de tarefas e o uso de máquinas. Por outro lado, era comum ver crianças a partir de 6 anos trabalhando 14 horas por dia em túneis estreitos para extração de carvão. Também era comum situações insalubres extremas, com mortes no trabalho. Tais situações desumanas só melhoraram quando houve reação forte da população.

Instituições Inclusivas vs. Extrativas

O livro diferencia entre instituições inclusivas, que promovem a inovação e o crescimento econômico, e instituições extrativas, que concentram o poder e a riqueza em poucas mãos.

Um exemplo de instituição inclusiva é a democracia, que permite maior participação e distribuição de benefícios econômicos.

Um exemplo de instituição extrativa é a ditadura, que beneficia apenas a elite que está no poder, monopolizando benefícios econômicos.

A Peste Negra

Os autores argumentam que a Peste Negra teve efeitos diferentes em várias partes do mundo.

A Peste Negra dizimou 1/3 da população da Europa. A peste levou à escassez de mão de obra, o que enfraqueceu o sistema feudal. Os trabalhadores passaram a ter mais poder de barganha, resultando em melhores condições de trabalho e salários mais altos.

Este evento é visto como um ponto de inflexão que contribuiu para o desenvolvimento de instituições mais inclusivas na Europa Ocidental.

Em contraste, no Oriente, as elites conseguiram manter o controle sobre a população, reforçando as instituições extrativas. Isso resultou na persistência do feudalismo e na manutenção de estruturas de poder centralizadas.

A Doutrina Friedman

Acemoglu comenta que a “Doutrina Friedman”, em alusão ao economista Milton Friedman, deu a justificativa moral para que empresas buscassem apenas o lucro acima de tudo.

Segundo a doutrina, a principal responsabilidade de uma empresa é com seus acionistas. A meta da empresa deve ser maximizar os retornos para os acionistas — e isso será bom para a sociedade como um todo. Mais ou menos como Adam Smith comenta, na Riqueza da Nações, que não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que esperamos o nosso jantar, mas do interesse que eles têm em promover o próprio bem-estar.

Entretanto, Acemoglu argumenta que a busca desenfreada por lucro leva a desbalanços como fraudes e a assunção de riscos irresponsáveis, ocasionando problemas como a crise de 2008. E que instituições devem contrabalancear a busca incessante e cega por lucros.

Inteligência Artificial

Sobre o progresso tecnológico, o principal expoente atual é a Inteligência Artificial (AI).

A automação e a inteligência artificial podem tanto criar novas oportunidades quanto ameaçar empregos e aumentar a desigualdade.

Acemoglu chama de “Ilusão da AI” a diferença entre a produtividade propagada pelos gurus da AI e a produtividade real da tecnologia.

Cadê o ganho de produtividade da AI?

Caso interessante é o da Tesla, de Elon Musk. Ele investiu pesado em automatizar 100% da fábrica, até descobrir que uma fábrica totalmente automática não funciona! Não tem espaço para flexibilidade, mudanças de planos e nem para criatividade. Musk, famosamente, disse:

“Yes, excessive automation at Tesla was a mistake. To be precise, my mistake. Humans are underrated”.

A tecnologia é moldável

A tecnologia não é neutra; ela reflete as prioridades de quem a desenvolve e implementa.

Vide postura de um Twitter (X) ou um Facebook, bem ou mal há vieses em cada abordagem.

É crucial termos uma mentalidade que priorize o uso da tecnologia para ampliar oportunidades e reduzir desigualdades.

São três os passos para tal:

1 — Alterar a narrativa

2 — Cultivar poderes de contenção

3 — Novas políticas. Novas soluções tecnológicas e regulações.

Ideias têm poder, narrativas mudam a história.

O progresso não é inevitável nem predeterminado. Ele pode ser redirecionado.

Para isso, é necessário mudar narrativas que legitimam a concentração de poder e riqueza como algo “natural” ou “inevitável”. Mudar filosofias como a do “move fast e break things”, popular no Vale do Silício, que priorizam inovação acima das consequências, a qualquer custo.

O caso das políticas ambientais é um exemplo de como a narrativa veio sendo mudada. De algo pouco importante décadas atrás, para um tema bastante importante nos dias de hoje.

Mudanças na mentalidade exigem ação coletiva. Movimentos sociais e políticos podem pressionar por mudanças mais amplas.

Ensinar as pessoas a entenderem os impactos da tecnologia e questionar seus usos pode gerar uma sociedade mais consciente e ativa.

Incentivar o pensamento crítico é essencial para superar interesses estabelecidos.

Outras ideias de ação a nível Governo / Sociedade

Incentivos para desenvolver tecnologias alternativas — é importante não escolher “vencedores”, mas sim, incentivar que as melhores soluções responsáveis surjam.

Remover taxas de trabalho humano e aumentar taxas relativas a automação de tarefas.

Corresponsabilidade de plataformas como o Facebook no caso de promoção de discursos de ódio.

Outras ideias de redistribuição, com seus prós e contras. Educação universal. Renda mínima universal garantida. Efeitos do salário-mínimo.

Crescer o bolo para depois dividir

No Brasil, na época da Ditadura Militar, um termo utilizado era o de “Crescer o bolo para depois dividir”, para justificar investimentos pesados em industrialização do país. Termo popularizado por Delfim Netto, ministro do Planejamento à época e falecido recentemente.

Porém, até onde eu sei, o bolo até cresceu, mas não foi muito bem dividido não…

É mais ou menos essa a ideia principal do livro. A tecnologia faz crescer o bolo, mas dividir a mesma não é com a tecnologia em si. Aí entram as instituições, a população na forma do “contrato social” e movimentos sociais e políticos.

Críticas

Todos os livros deste tipo, que tentam explicar o presente através do passado, sofrem com um “determinismo histórico”. Será que, se a Terra fosse resetada e reiniciada novamente, com praticamente as mesmas condições iniciais, o resultado seria igual?

Além disso, há a questão de focar demais em uma única variável explicativa. No caso de Acemoglu, as instituições. O mundo é complexo demais para colocar tanto peso em apenas poucas variáveis explicativas.

O diagnóstico apresentado no livro é mais preciso do que a lista de ações a serem tomadas, até porque todas as ações têm suas controvérsias e seus prós e contras.

Outra questão a considerar é o argumento ser circular, ou até anti-causal. Boas instituições permitem boa distribuição de riquezas. Mas será que, para início de conversa, não foi um ambiente propício a riquezas que permitiu o surgimento de boas instituições?

Conclusão

O livro “Poder e Progresso” oferece uma visão interessante sobre a tecnologia e o progresso. O progresso não necessariamente vai tornar a vida das pessoas melhor, e aí entram políticas e instituições para melhor dividir o bolo.

Não é preciso ser especialista em AI para lutar por inclusão.

Ele enfatiza a importância de instituições inclusivas para garantir que o progresso tecnológico beneficie a sociedade como um todo. A mensagem central é que o progresso econômico sustentável requer uma combinação de inovação tecnológica e políticas inclusivas.

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Originally published at http://ideiasesquecidas.com on January 23, 2025.

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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