O que é o conhecimento? Teeteto, diálogo de Platão
Segue um resumo ilustrado do Teeteto, um dos Diálogos de Platão. O diálogo é entre Sócrates, mestre do Platão; Teeteto, um jovem proeminente da época; e outros personagens, como Teodoro, mestre de Teeteto, porém bem menos brilhante. O livro é de cerca de 350 a.C. — e continua tão atual hoje quanto à época, porque clássicos são imortais.
O tema central discutido é o conhecimento.
Como sempre ocorre, Platão fala por meio de Sócrates. É um diálogo denso, cheio de argumentos rebuscados, porém repleto de analogias mitológicas e reflexões que vira e mexe voltam à tona.
O que é o conhecimento?
Em linhas gerais, três respostas são exploradas. Seria o conhecimento:
- Percepção?
- Julgamento (Opinião)?
- Explicação racional?
Highlights de trechos editados da obra. E imagens geradas no Dall-E. Coloco também os prompts que geraram as imagens, este por si só é um conhecimento interessante (dá trabalho gerar imagens legais).
Prompt: Filósofo grego Sócrates numa biblioteca.
Considerações gerais sobre o conhecimento
Aprender é tornar-se mais conhecedor daquilo que se aprende.
É a sabedoria de algum modo diferente do conhecimento?
As pessoas são sábias naquilo que detém conhecimento. É inquestionável que médicos, artesões e outros profissionais têm competência. Mas não é válido apenas listar exemplos sem esclarecer o cerne da questão. O que é conhecimento verdadeiro?
Este diálogo é dos primeiros a tratar do conhecimento como busca da verdade absoluta x relativismo, e muitos dos argumentos orbitam em torno disso.
Seria o conhecimento percepção?
Um argumento de Protágoras a favor da percepção: “o ser humano é a medida de todas as coisas, da existência das coisas que são e da não existência das coisas que não são”.
Só que o conhecimento puro não pode ser percepção. Porque sob o sopro de um mesmo vento, um de nós experimenta frio, enquanto o outro não.
Aparição (parecer) e percepção não são a mesma coisa. A percepção muda de pessoa para pessoa, por isso não pode ser o verdadeiro conhecimento.
Se cada pessoa tem uma percepção particular acerca do mundo, haverá tantas verdades quanto há pessoas.
Seria o conhecimento opinião ou julgamento?
Oceano, o gerador dos deuses, e Tétis, a mãe deles, disse que todas as coisas são o produto do fluxo e do movimento.
Será que qualquer coisa aparece a qualquer outro ser humano e a ti como a mesma coisa?
Não, porque a mesma coisa vai gerar opiniões diferentes entre diferentes pessoas. E, para a mesma pessoa, pode ser que ela tenha julgamento diferente em outro momento — aqui, a ideia do rio de Heráclito: o rio em que eu entrar novamente não será o mesmo rio — eu terei mudado, e o rio terá mudado.
prompt = “old bald ancient greek philosopher in the middle of a river. He is thinking, and happy. The river is light blue, calm and beautiful. Background with green forests and shiny sun. Comics style, like a john buscema drawing .highly detailed, 8k.”
Íris é a personificação do arco-íris que surge entre a Terra e o Céu, é a mensageira dos deuses.
prompt = “A gorgeous goddess riding a rainbow that begins in the sky full of clouds and sun, and ends in the earth. A lot of ancient greek people watching her. Marvel comics style. highly detailed, 8k.”
Há duas espécies de movimento, cada uma delas infinita quanto ao número de suas manifestações, a força ativa, e passiva. A união e o atrito dessas geram um rebento numericamente infinito, mas sempre gêmeo: o objeto e a percepção do objeto. Percepções como visão, audição, tato, prazeres, dores, a partir do mesmo objeto.
Está longe de ser verdadeira a afirmação de que todas as coisas que aparecem ao indivíduo também o são. Pelo contrário, nenhuma das coisas que a ele aparece efetivamente é.
- Exemplo: quando colocamos a mão na água morna, depois de uma das mãos ter ficado na água fria e a outra na água quente, teremos uma diferença de julgamento.
Outra forma de ser enganado pelas percepções, é através de sonhos — antecipando argumentos usados por René Descartes 2000 anos depois.
Em sonhos, alguns enlouquecidos julgam ser deuses, ao passo que outros imaginam que possuem asas e estão voando.
Seria o conhecimento explicação racional?
Considera o caso de Tales. Enquanto estudava os astros e olhava para cima, caiu num poço. Mostrava-se tão ansioso por conhecer as coisas do céu que não conseguia ver o que se encontrava ali diante de si sob seus próprios pés. A mesma zombaria é aplicável a todos os que passam suas existências devotando-se à filosofia.
prompt = “Ancient greek philosopher walking from left to right. He is looking up to see a beautiful starry night. In the middle, a big hole full of water. Van gogh starry night style. Highly detailed, 8k”
Sobre a importância do conhecimento: Num jantar, a opinião do convidado, salvo se tiver conhecimento da culinária, possui menos valor no que tange ao prazer que será extraído dos pratos do que a do cozinheiro.
O conhecimento não está nas sensações, mas no raciocinar sobre elas.
Sobre o papel da memória:
É uma dádiva de Mnemosine, a mãe das Musas, que toda vez que desejamos nos lembrar de qualquer coisa que vemos, ouvimos ou concebemos em nossas próprias inteligências colocamos essa cera sob as percepções e pensamentos e os imprimimos nela, tal como produzimos impressões de aneis de sinete; e, seja o que for que é impresso, nós o lembramos e o conhecemos enquanto durar sua imagem.
Um registro mnemônico, no caso de reencontrar-te amanhã, despertará minha memória e fará com que eu tenha uma opinião correta sobre ti.
Exemplo de falsa opinião. A visão é afetada quando olhamos as coisas no espelho: é produzida uma mudança da direita para a esquerda. Assim como ilusões e miragens.
Alguns dos limites do conhecimento racional. A letra é incognoscível, a sílaba é cognoscível. Não é possível descrever totalmente todos os aspectos do pensamento através de palavras.
Sobre a imprecisão da linguagem. Uma carroça pode ser formada por 100 pedaços de madeira. Não damos nomes a todos os pedaços, mas nos daríamos por satisfeitos se pudéssemos dizer “rodas, eixo, carroçaria, aros, cambão”.
prompt = “old wagon made of woods,with 4 wheels, pulled by 4 horses. background green grass in a vast camp.hyper realist style. highly detailed, 8k.”
Conhecimento é a capacidade de revelar alguma característica que diferencia o objeto em pauta e todos os demais.
Pelos motivos acima, dos limites e imprecisão da razão, o conhecimento está muito acima do que é possível dominar através do raciocínio (antecipando argumentos de Immanuel Kant, de que a coisa-em-si é incognoscível).
Conclusão
Nem a percepção, nem a opinião, nem a explicação racional poderiam ser conhecimento.
O diálogo termina sem conclusão do que é o conhecimento: “Com isso, nossa maiêutica (arte da parteira) declara que todos os rebentos que nasceram não passam de ovos sem gema e indignos de serem criados.” (Em referência à Sócrates se comparar à arte da parteira Fenarete, sua mãe, vide https://ideiasesquecidas.com/2023/02/19/ciron-anteu-e-fenarete/)
Arnaldo Gunzi, Fev 2023
Veja também: