O Japão vai desaparecer? O problema é Thanos, e não o Godzilla
O Japão é atualmente a terceira maior economia do mundo, tendo ocupado uma fabulosa segunda posição, na década de 80, e até tendo ameaçado a hegemonia americana na época, isto mesmo após ter sido devastada pela Segunda Grande Guerra em 1945. O país também é famoso pelos personagens icônicos de mangá e anime, cujos monstros como o Godzilla, sempre tentaram, em vão, destruir Tóquio e o Japão.
O problema é que o verdadeiro monstro não surgiu na forma de um Godzilla, mas na forma da baixa natalidade, que tende a reduzir a população pela metade até o final do século!
Qual o problema em números? Algumas causas potenciais e o que tem sido feito? Vejamos a seguir.
A bomba relógio da Demografia
O grande escritor austríaco Peter Drucker costumava dizer que a demografia é uma bomba-relógio. Um futuro que já aconteceu.
Para os números abaixo, usamos o fantástico site Population Pyramid, com links nos anexos.
O Japão saiu do pós-guerra com 80 milhões de habitantes, até alcançar um pico de 128 milhões em 2010.
Desde 2010, as tendências de menor natalidade já fazem a população encolher. Hoje, em 2023, há cerca de 122 milhões de habitantes, 6 milhões a menos que o pico — estrago infinitamente maior do que o Godzilla já causou na ficção. O Japão já vinha envelhecendo a passos largos, e agora, efetivamente encolhendo.
A pirâmide etária recebe esse nome por ter tido um formato de pirâmide por um longo tempo na história: uma grande quantidade de crianças e adolescentes, gradativamente menos adultos, e somente uma quantidade muito pequena de idosos. Devido à menor mortalidade infantil, e ao incrível progresso da medicina, a longevidade dos idosos vem aumentando, e não precisamos ter tantos filhos.
Em todos os países desenvolvidos, em geral a pirâmide etária vem estreitando a base e aumentando a ponta, parecendo cada vez mais um retângulo.
Só que no caso do Japão, é quase uma pirâmide invertida: uma quantidade enorme de idosos, e cada vez menos jovens!
Para piorar, as projeções apontam para cerca de 100 milhões de habitantes, por volta de 2055.
E 73 milhões, em 2100 — cerca de metade da população no pico! Parece até o estalo de Thanos!
Quais as causas?
Em todo o mundo desenvolvido, tem havido diminuição da natalidade.
As famílias fazem um cálculo econômico. Há não muitas décadas atrás, na época dos meus avós, a agricultura ainda era muito forte, assim como a mortalidade infantil. Ter muitos filhos aumentava a probabilidade de alguns deles sobreviverem à idade adulta, além de que as bocas adicionais poderiam se autossustentar ajudando na produção agrícola, e isso com 12, 13 anos de idade, como era comum à época. Não havia previdência pública, de forma que os filhos eram o plano de aposentadoria dos pais quando idosos.
Outro fator é o controle de natalidade através de anticoncepcionais, que surgiu na década de 1960.
Pessoas respondem a incentivos
No mundo atual, custa muito caro ter filhos, e de duas formas: direta e indiretamente.
Os custos diretos envolvem a educação, moradia, alimentação, lazer (experimenta comprar 5 passagens de avião + hospedagem, como no meu caso). Mas, principalmente, educação. É impensável no mundo competitivo de hoje ter filhos sem levar os mesmos à educação superior, o que pode tomar quantidade considerável de recursos (vide mensalidade de escola particular), além da criança ter que ser sustentada por mais de 20 anos, talvez quase 30 anos…
Os custos indiretos são em termos de oportunidade. Bebês demandam tempo para serem cuidados, e isso compete com investimento na própria carreira — e isto é mais pesado para as mães. Tudo isso leva os casais a postergarem a maternidade e terem menos filhos.
Junte tudo isso numa sociedade ultra-mega-competitiva como o Japão, e teremos uma das menores taxas de fecundidade do mundo, de 1,4 filho por mãe! Para minimamente repor a população, a fecundidade deveria ser em torno de 2,1 filho por mãe.
Só para efeito de comparação, o Brasil tem taxa de 1,7, ou seja, também está envelhecendo.
Quando digo ultra-mega-competitiva, é isso mesmo. Há uma competição insana para entrar nas faculdades de ponta. Há uma cultura de muito trabalho, e isso significa passar longas jornadas de trabalho, digamos de 9 da manhã até as 9 da noite, incluindo fins de semana. Tem até um termo: “Karoshi” significa morte por excesso de trabalho. Em termos de férias, é comum tirar poucos dias de férias e doar o restante à empresa (e é doar mesmo, não é vender como fazemos no BR).
Se não dá para crescer internamente, uma solução alternativa seria trazer gente jovem de fora. Só que isso também não é uma alternativa boa.
O Japão é extremamente xenófobo a estrangeiros que vão trabalhar no país. Há Bolivianos, Brasileiros, Chineses, descendentes dos próprios japoneses que emigraram para fora 100 anos atrás — os chamados dekasseguis. A tendência é desses conseguirem apenas trabalhos pouco qualificados e sofrerem forte discriminação (como os locais negarem alugar casas a estrangeiros).
Um gráfico para quantificar esse efeito. A fonte é a Universidade de Tóquio. E 67% dos japoneses dizem dar prioridade aos próprios ante a estrangeiros, se o trabalho for escasso. Essa aversão é menor em países mais abertos a estrangeiros.
Quando o Japão sentir mais pesadamente os efeitos da bomba relógio da demografia e precisar de imigrantes, o país não será mais atrativo para os mesmos, porque a população economicamente ativa terá um fardo de health e societal care enorme, advindo da pirâmide invertida.
E o que está sendo feito?
O Japão vem tentando uma série de medidas, como licença maternidade (e paternidade) remuneradas, ajuda de custo para os pais, esforços para mitigar os custos de educação superior (vide link nos anexos).
Só que, sem mudar a cultura ultracompetitiva, não vai rolar. O mesmo artigo cita que apenas 14% dos pais tiraram a licença paternidade (ora, eles não tiram nem férias, imagine que absurdo seria ser o primeiro da empresa a tirar a nova licença paternidade!).
Outros países desenvolvidos sofrem do mesmo problema da demografia, porém o caso do Japão (e o da Coreia do Sul, irmã gêmea do Japão) são os mais extremos.
Portanto, o Japão enfrenta um monstro muito mais perigoso que o Godzilla: é o Thanos, o Thanos da demografia e da própria cultura, que pode acabar com o país como o conhecemos hoje, até o fim do século (e isso é um piscar de olhos na escala da humanidade).
Veja também:
https://www.populationpyramid.net/japan/2063/ https://www.ndtv.com/world-news/japans-fumio-kishida-pledges-aid-in-last-chance-to-boost-birthrate-3870615
E alguns números sobre xenofobia, que seria outra fonte de pessoas jovens. https://www.u-tokyo.ac.jp/focus/en/features/z0508_00213.html
https://top10mais.org/top-10-paises-com-menor-taxa-de-natalidade-do-mundo/
Originally published at https://ideiasesquecidas.com on March 18, 2023.