O Estrangeiro, de Albert Camus
“O Estrangeiro” é um livro perturbador. Li há alguns anos, reli recentemente, e hesitei em colocar algum comentário neste espaço, porque a mensagem passada não é positiva. Apesar disso, são ideias profundas de um dos maiores nomes do século passado.
Albert Camus, escritor franco-argelino, escreveu este pequeno livro (por volta de 100 páginas) em 1942, e é um exemplo de sua filosofia do absurdismo.
Em poucas palavras, o absurdismo diz que a vida não tem significado, e é absurdo tentar criar significado onde não há… Ninguém está aqui para ser como o Neo, sair da Matrix e salvar o mundo. Só estamos aqui porque os nossos pais se relacionaram, a biologia cumpriu a sua parte, e nascemos.
A primeira frase do livro já mostra todo o contexto:
“Minha mãe morreu hoje. Ou talvez ontem, eu não sei. Recebi um telegrama do asilo”.
Link da Amazon. A versão Kindle custa só R$ 2. https://amzn.to/3jhXfu5
O personagem principal, Meursault é um estrangeiro. Não por vir de algum país distante, nada disso. Ele é um estrangeiro por ser diferente das pessoas normais. Desapaixonado, não tem sentimentos, não tem ambições, é calado e indiferente.
Ele viaja ao asilo, conversa em tom monossilábico com o diretor da instituição e outros personagens. O zelador o convida a abrir o caixão e ver a mãe, e Meursault, friamente, não faz questão nenhuma de aceitar o convite.
Ele aceita um café do zelador, vela a mãe e acompanha o enterro, sem derramar uma lágrima, nem expressar qualquer palavra de nostalgia ou conforto.
No dia seguinte, o nosso herói do absurdo volta à rotina, e reencontra uma conhecida, com a qual começa a namorar.
Encontra um vizinho, que arruma briga com a amante — ele a agride fisicamente — e isso terá consequências.
Nesse meio tempo, o chefe de Meursault oferece uma vaga melhor, em Paris. O protagonista dá a sua resposta curta usual: “Não sei, tanto faz”. Afirma que a vida atual está OK, e se o chefe quisesse, ele iria, senão, está bom também.
A namorada nova também fala algumas vezes de casamento, e a resposta também é a mesma: “Não sei, tanto faz. Se você quiser eu caso.” — num tom nem feliz nem triste, completamente desprovido de emoções.
Depois de um tempo, ele, a namorada, o vizinho e mais um casal de conhecidos vai à praia. O vizinho é seguido pelo irmão da amante espancada anteriormente, chamado aqui simplesmente de “árabe”.
Após algumas confusões, Meursault atira e assassina o árabe, e por isso, vai a julgamento, meses depois.
No julgamento, os promotores chamam testemunhas do enterro da mãe, que narram como o personagem foi frio e nem chorou na ocasião.
Questionado porque ele tinha aceitado o café do zelador, sua resposta foi: “A viagem tinha sido cansativa”.
Meursault nunca negou que tinha atirado no árabe, e o promotor explorou a total falta de remorsos e emoções do réu.
Questionado sobre o motivo do assassinato do árabe, eis sua resposta: “Estava muito sol”.
Alguns dos amigos de Meursault o defenderam, sem muito sucesso. No final, ele foi condenado à morte.
Na prisão, à espera da decapitação e do resultado de um recurso, Meursault se recusa inúmeras vezes a ver um padre, mas um dia esse o visita assim mesmo.
Ao religioso, ele diz não acreditar em Deus, ao qual o padre responde que ele pode até se livrar da pena se tiver o recurso aceito, porém ele vai continuar se sentindo culpado diante de Deus.
Dessa vez, pela primeira vez na história toda, Meursault expressa alguma emoção: reage furioso. Diz que tem convicções próprias sobre a vida e a morte. Independente da causa, nada vai mudar o fato de que estamos condenados à morte. Essa vida é absurda. Ele é indiferente ao universo, o que tiver que ser, será, e ele estará feliz dessa forma….
Na mesma linha, Camus escreveu outro livro perturbador: o mito de Sísifo. É sobre o personagem grego condenado a rolar uma enorme pedra morro acima, só para ver ela desabar imediatamente após alcançar o topo.
Outro grande nome da época, Jean Paul Sartre, escreveu densas obras sobre existencialismo, na mesma linha.
Sartre é considerado o melhor filósofo, enquanto Camus, o melhor escritor.
A revista Le Monde fez uma lista dos 100 livros do século, e colocou “O Estrangeiro” em primeiro da lista.
https://en.wikipedia.org/wiki/Le_Monde%27s_100_Books_of_the_Century
Albert Camus foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1957, “por sua importante produção literária, que ilumina com seriedade e clareza os problemas da consciência humana em nosso tempo”. Ele faleceu num acidente de carro, em 1960. Tem um filme sobre Camus no Prime Video, que não é muito empolgante, mas mostra um pouco da vida deste grande autor. ( https://www.primevideo.com/detail/Albert-Camus/0KRGSCG19GY8YOD47N31CFLJOL)
Desde Sartre e Camus, poucos pensadores se destacaram em filosofias existencialistas. Imagino que seja porque é um beco sem saída. Se nada faz sentido, o que faço aqui? Melhor arrumar algum sentido, é mais produtivo.
Originally published at https://ideiasesquecidas.com on June 27, 2021.