O curso de datilografia

Arnaldo Gunzi
3 min readJan 3, 2024

--

Quando eu tinha uns 14 anos, uns bons 30 anos atrás, minha mãe me matriculou num curso de datilografia. Datilografia é a ação de saber digitar numa máquina de escrever, daquelas bem antigas.

Os computadores pessoais estavam a uns 5 anos ainda a chegar. Ainda existiam máquinas de escrever, firmes e fortes.

Minha mãe sempre dizia que era uma habilidade boa de aprender, que ela tinha trabalhado de secretária, algo assim. Éramos de origem bastante humilde, dá para perceber.

O curso foi no Senac da Estação Conceição do metrô. Pela existência da oferta de curso, nota-se que ainda havia importância em máquinas de escrever.

No primeiro dia de aula, encontrei dois conhecidos meus, da mesma idade, que moravam ali pertinho — provavelmente minha mãe fez propaganda do curso para as amigas dela.

Só que esses dois tinham uma condição social bem melhor que a nossa. Além disso, tinham pouca vontade e disciplina. Apareceram só na primeira aula, e nunca mais.

Eu tinha que pegar um ônibus, lá de Santo Amaro até a Conceição. Dava uns 40 min. E o curso ocorreu por alguns meses, todos os sábados. E, todos os sábados, estava lá eu, datilografando.

No começo, aprender cada letrinha, com o dedo ótimo para tal: Q, W, E, R, T, mindinho para o Q, anelar para o W, etc. Depois, ir treinando combinações cada vez mais difíceis. Treinar as mãos para saber qual dedo utilizar de modo a digitar rapidamente.

Uma máquina de escrever não tinha tecla de voltar, como num computador. Escreveu errado, já era, tinha que usar um liquid paper (uma espécie de tinta), pintar de branco por cima e digitar de novo. Por isso, eram duas as métricas principais da datilografia: escrever rápido e escrever sem erros.

Fui em todas as aulas e concluí o curso. Acabei não usando o mesmo por alguns anos, porque as máquinas de escrever acabaram nesse meio tempo.

Até a chegada dos computadores pessoais. Tem mais teclas, é um pouco diferente, mas o essencial é o mesmo: teclas QWERT.

Até hoje, vejo as pessoas “catando milho” na hora de digitar. Ou utilizando dedos errados, de forma sub-ótima. Se, em relação ao que aprenderia sozinho, eu ganhei 5% de eficiência ao digitar por conta de ter aprendido certo lá atrás, o curso já valeu a pena e muito, já se pagou faz tempo, porque digito todos os dias.

Não preciso dizer que, 30 anos depois, em muito superei os conhecidos que deixaram aquele curso lá atrás — não por conta deste curso, é claro, mas porque provavelmente eles abandonaram um segundo curso, um terceiro, a escola toda.

Mais ainda, queria destacar a importância da disciplina e da vontade. Não é porque um curso é chato, ou difícil no começo, que devemos abandoná-lo (ainda mais quando jovem). Não é também pela finalidade (não quero ser secretária, então não vou fazer), porque o mundo pode precisar da habilidade em outra forma (computadores pessoais). O mundo dá voltas, como diz o ditado popular. A gente nunca sabe o que vai ser realmente útil no futuro, e muito do que fazemos realmente não o será. Porém, aquilo que for útil, servirá para a vida toda.

Arnaldo Gunzi, Janeiro de 2024

Originally published at https://ideiasesquecidas.com on January 3, 2024.

--

--

Arnaldo Gunzi
Arnaldo Gunzi

Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

No responses yet