Hípias maior — Diálogo de Platão

Arnaldo Gunzi
5 min readMar 26, 2023

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Continuando a série de resumos dos Diálogos de Platão, é a vez do Hípias maior. Dessa vez, o tema é a Beleza. O que é o belo exatamente?

Os participantes são Sócrates (como sempre), e Hípias. Há outro diálogo de Sócrates com Hípias, e esse é o maior dos dois — daí o título.

Ilustrado por IA — mas dessa vez, utilizando o Midjourney.

Hípias é um sofista que estava em Atenas, quando deste encontro. Ele comenta que vinha pouco à Atenas por estar muito ocupado, e que também ocupa a função de embaixador de sua cidade, dado o seu conhecimento e capacidade de comunicação. Hípias também cita que já ganhou muito dinheiro com sua reputação e seus ensinamentos, ao passo que Sócrates, como também é costumeiro em Platão, nunca ganhara um centavo com seus diálogos.

Platão coloca Hípias, desde o início, como aquele sujeito antipático, que se acha o mais esperto da sala. Sócrates, como o humilde, que se coloca abaixo de Hípias.

Após uma breve discussão sobre Esparta (que não contratara Hípias por tradição às leis locais de não permitir estrangeiros), os dois passam a discutir o tema principal: que tipo de coisas são belas ou feias? Seria Hípias capaz de dizer o que é belo?

Sócrates explica que a pergunta é sobre o conceito absoluto de belo, aquilo que é belo para todos, porém, Hípias responde com casos específicos: ele diz que uma donzela jovem e bonita é bela.

Vale citar que Sócrates usa de uma artimanha indireta. Diz que um estrangeiro o humilhara numa discussão anterior, e que ele estaria treinando para uma revanche. Por isso, ele estaria se portando como o tal estrangeiro ao fazer os questionamentos.

Sócrates começa a provocar: uma égua é bela? Uma lira é bela? E um pote é belo?

Hípias retruca que a donzela é muito mais bela do que um pote, e que Sócrates estaria “desvalorizando” a beleza ao fazer tais comparações: “segundo Heráclito, o mais belo dos macacos é feio se comparado à raça humana”.

Aí, o esperto Sócrates comenta que, seguindo a mesma lógica, a classe dos deuses é superior à humana, e uma bela deusa será mais bela que a donzela citada anteriormente…

Hípias foge do assunto, dando outro exemplo. O belo seria o ouro.

Sócrates novamente rebate. Fídias, o grande escultor, não fez a estátua de Atena de ouro, e sim, de marfim. Se o ouro fosse o belo, e a deusa Atena é bela, deveria ser de ouro.

Aí, Sócrates também utiliza outro argumento. Uma bela sopa precisa de uma bela colher. Mas aí, uma colher de madeira seria infinitamente superior a uma colher de ouro, pela praticidade, pela possibilidade da colher de ouro quebrar o pote…

Outra discussão se emenda, sobre o que é belo e ser útil serem a mesma coisa.

Hípias foge novamente, dando outro exemplo. Belo é ser rico, saudável, objeto de honra dos gregos.

Sócrates não tem dificuldades em rebater este ponto também. Não adianta muito ser belo sem ser bom. Ter dinheiro e poder não garantem que estes serão usados de forma boa — e não é difícil encontrar exemplos disso, até os dias de hoje.

Também citam sobre a utilidade e a beleza serem diferentes de pessoa para pessoa. Um exemplo contemporâneo. Odeio músicas da Anitta, para mim nem música é. Para outras pessoas, isso pode ser belo, mas também ser útil, no sentido de aceitação social entre pares que gostam dela.

Por Hípias não sugerir nada muito criativo, Sócrates passa a dar algumas definições diferentes, como a beleza ser aquilo que é prazeroso por meio da audição e da visão.

Aí, a primeira questão seria: e os outros sentidos? Sócrates coloca que “todos zombaríam de nós se disséssemos que comer não é prazeroso, mas é belo, e que um cheiro agradável não é agradável, mas é belo”.

Porém, essa definição também não é boa, por beleza e prazer serem coisas distintas.

Hípias, claramente muito inferior a Sócrates nas discussões, é, por outro lado, mais pragmático, chamando a conversação acima uma “mera tagarelice insensata”.

Sócrates comenta que o “estrangeiro” com o qual ele teve a discussão é alguém muito próximo, mora na mesma casa (seria ele mesmo, ou o daemon — tipo um gênio da lâmpada, ou uma consciência na cabeça dele). E que as discussões foram muito proveitosas para esclarecer pontos que não estavam claros, embora realmente não tivessem chegado a conclusão alguma.

Sócrates termina com uma citação: “Aquilo que é belo é difícil”.

Comentário final deste escriba. Embora realmente seja difícil senão impossível definir o belo, eu encaro esse diálogo pela “via negativa” da coisa. O belo não é apenas beleza física. Ou dinheiro, poder, o carrão da moda. Isso tudo pode ser belo em algum sentido, porém, será tão facilmente esmagado por argumentos outros (isso está sendo usado para o bem? Outros pontos de vista? E seria apenas para prazer?), tal como Hípias foi por Sócrates.

Embora pareça uma discussão insensata, aqueles que realmente entenderem o diálogo verão a real beleza dele.

Veja também:

https://ideiasesquecidas.com/2023/03/05/protagoras-dialogo-de-platao/

https://ideiasesquecidas.com/2023/03/11/gorgias-dialogos-de-platao/

Originally published at https://ideiasesquecidas.com on March 26, 2023.

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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