Górgias — Diálogos de Platão

Arnaldo Gunzi
4 min readMar 11, 2023

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Continuando resumo e discussão dos Diálogos de Platão, é a vez do “Górgias”, uma das obras mais interessantes do filósofo. Novamente, irei ilustrar os argumentos o máximo possível.

Górgias de Leontini (na Sicília), foi um sofista contemporâneo de Sócrates. Considerado o criador da oratória declamativa (retórica exibicionista).

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Górgias diz que a Retórica é a mais nobre de todas as artes.

Sócrates argumenta que o médico é especialista em curar doenças, o instrutor de ginástica cuida da condição física, mas a retórica não diz respeito a nenhuma arte em particular: “Por que não chamas as outras artes de retórica quando dizem respeito ao discurso, se chamas essa de retórica por ter a ver com o discurso?”

Górgias responde que as outras artes envolvem trabalho manual, ao passo que a retórica diz respeito inteiramente ao discurso.

Sócrates: Há outras artes que não envolvem trabalho manual, como a Aritmética e a Geometria.

Górgias refina o argumento, que o domínio do discurso possibilita que essas artes exerçam influência:

Sócrates argumenta que o debate deve desvendar a VERDADE sobre o tema debatido, não gerar ganhos pessoais.

Daí Górgias muda um pouco o tom: A persuasão se ocupa com o que é justo e injusto, daquele tipo que encontras nos tribunais e reuniões públicas.

Sócrates: Há duas formas de persuasão, a crença sem conhecimento, e a que proporciona conhecimento. A Retórica, pelo que parece, é produtora de persuasão para a crença. Numa reunião pública, não é possível ensinar uma massa de indivíduos em tão pouco tempo, então eles vão apenas crer no melhor argumento, sem realmente entendê-lo.

Górgias diverge um pouco, explicando que “os grandes arsenais da marinha, os muros de Atenas, além da construção de seus portos, devem-se aos conselhos de Temístocles, não aos conselhos dos profissionais”. A Retórica compreende em si mesma de uma vez praticamente todos os poderes. Um paciente, que não queria tomar remédio, foi persuadido através da retórica. Um médico se apresentaria de maneira inexpressiva, não fosse a arte da retórica. Não há um tema sobre o qual o orador não pudesse discursar.

Sobre o mau uso dos imensos poderes da retórica, Górgias faz analogia com um boxeador. O instrutor de boxe ensina os alunos a arte da luta, cabendo ao aluno a aplicação correta da mesma. Não são os mestres perversos, nem pode a arte ser responsabilizada por conta disso, mas sim os indivíduos que não a utilizam corretamente.

Sócrates comenta que o alvo da retórica são as pessoas ignorantes em relação a um assunto. Porque, se for uma matéria de medicina, o público médico saberia exatamente distinguir conteúdo puramente retórico de outro com substância real. Pessoas ignorantes podem ser persuadidas para uma causa injusta.

Além disso, Sócrates argumenta que o indivíduo justo jamais desejaria agir injustamente.

Portanto, é incoerente dizer que as pessoas podem usar a retórica para fins injustos e não ter os mestres responsabilizados, como o argumento anterior.

Comentário deste escriba. É de se concordar com Górgias, de que a Retórica é instrumento poderoso para persuadir o público. A política consegue aprovar a construção de muros e exércitos, ao passo que os engenheiros apenas executam. Sobre ser justo ou injusto, ser a melhor alocação da verba ou não, não dá para garantir, e este é o ponto de Sócrates.

Górgias titubeia, diante da contradição posta por Sócrates. Neste momento, o diálogo muda o foco para Polo, um discípulo de Górgias, e para o conceito de justiça.

Essa parte do Polo já foi abordada anteriormente. Vide https://ideiasesquecidas.com/2020/06/05/e-bom-ter-platao-do-seu-lado/ para discussão completa.

  • Polo defende que o Poder é sempre algo bom.
  • Sócrates, que tiranos e oradores que têm poder, na verdade são os que têm o menor poder.
  • Polo defende que é invejável ter poder. Poder fazer o que pessoas comuns não conseguem. Poder praticar injustiças e não ser punido.
  • Sócrates retruca, não devemos invejar quem não merece. Quem tem o poder e o usa injustamente, é objeto de pena. É um miserável, digno de compaixão.

Durante o diálogo, eles citam um poderoso da Grécia antiga. Alguém que enriqueceu com acordos injustos feitos diretamente com a cúpula do governo.

Boa parte dos recursos que foram para os seus projetos (e seus bolsos), poderiam ter destinação diferente, mais nobre, digamos em hospitais e treinamento de médicos.

  • Polo diz que prefere praticar injustiças do que sofrer injustiças.
  • Sócrates defende que prefere sofrer injustiças, mas continuar ser uma pessoa de princípios, do que praticar injustiças.

Comentário deste que vos escreve. Eu, e a grande maioria das pessoas que conheço, prefere a posição de Sócrates: viver uma vida justa, de princípios, ao invés de buscar poder a qualquer custo.

Arnaldo Gunzi, Março de 2023

Vide também:

Protágoras — Diálogo de Platão

https://ideiasesquecidas.com/2023/02/21/o-que-e-o-conhecimento-teeteto-dialogo-de-platao/

Originally published at https://ideiasesquecidas.com on March 11, 2023.

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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