Eutidemo, diálogo de Platão
Eutidemo é um diálogo que trata da disputa, mais notadamente, da erística, que é um tipo particular de debate.
Os oponentes de Sócrates são Eutidemo e Dionisodoro, irmãos. Estes eram conhecidos por serem grandes soldados, que ensinavam a arte do combate.
Eles também ensinavam competições de discursos, para a batalha dos tribunais. Ensinavam outras pessoas mediante remuneração.
Novamente, vamos ilustrar o post com desenhos gerados por IA, seja o MidJourney, seja o Bing Creator.
Desenvolveram a erística, a arte do debate pelo debate, sem necessariamente ter a verdade como objetivo. Utilizavam argumentos como trocadilhos com sentido de palavras, além de criarem um ambiente de zombaria em cima do oponente verbal.
O primeiro debate é com Cleinias, um jovem nobre da época.
Os irmãos questionam. Que tipos de seres humanos são os aprendizes: os sábios ou os ignorantes?
Após uma série de contorcionismos, em resumo, qualquer fosse a resposta do jovem, eles tinham um contra-argumento.
- os aprendizes são os ignorantes, porque se fossem já sábios não haveria necessidade de aprender
- os aprendizes são sábios, porque conhecem as letras e têm capacidade de aprender, se fossem totalmente ignorantes não o fariam
A seguir, outra linha de debates ocorre com Sócrates.
Os homens desejam o bom; o bom significa a possessão de coisas como riqueza, saúde, beleza, poder, honra; sem esquecer virtudes e sabedoria. Entretanto, o maior bem é omitido: a boa fortuna. E o que seria boa fortuna sem sabedoria? Os sábios não são também afortunados?
A possessão de bens não é suficiente, também devemos saber usar. A conclusão é de que devemos obter sabedoria.
Comparação com carpinteiro a quem fosse entregue boa quantidade de madeira, mas nada produzisse. Ou alguém que tivesse muitos alimentos, mas não comesse ou bebesse.
Sócrates: Há maior dano em usar alguma coisa incorretamente, ao invés de simplesmente não a usar.
Somos felizes não só pelo uso de algo, mas pelo seu uso correto.
Sócrates diz que os irmãos se limitam a dançar ao redor da pessoa e executar cambalhotas de palavras.
Os irmãos: Você quer que Cleinias seja sábio? “Sim”. E ele não é sábio ainda? “Não”. Então você quer que ele seja algo que ele não é, e não algo que ele é? Isso significa sua destruição.
O jogo aqui é utilizar conceito de ser e não ser, de Parmênides. Não podemos ser o que não somos. Ou não ser o que somos.
Nesse aspecto, Dionisodoro diz que a contradição não existe. Se eu digo algo e você diz outra coisa, como pode haver contradição?
Sócrates os pega em suas próprias contradições, de ser e não ser absolutos e de não existir contradição. Ele pergunta se eles dominam ou não o conhecimento, ao qual respondem “Sim”. Então, se sabem, não podem saber pela metade, devem saber de tudo, ao qual respondem “sim” também. Então sabem a arte da sapataria? “Sim”. Sabem a quantidade de estrelas no céu? “Sim”. E o número de grãos de areia na Terra? “Sim”.
Apesar de absurdo, os irmãos prosseguem com confiança e cara de pau. Os argumentos são mais para ganhar a plateia e sair por cima do que para debater o cerne do assunto.
Sócrates comenta usarem truque de prestigitadores, imitando Proteu (divindidade marinha que se nega a revelar sua verdadeira forma, mostrando-se como um leão, um dragão, uma pantera, um javali, água e uma árvore).
Prosseguindo nesse diálogo, por meio de argumentos confusos, eles chegam à conclusão de que um pai é pai, e pai de todos. Um cachorro que é pai, é pai de Ctesipo…
Sócrates faz outra comparação, agora dos irmãos com a Hidra. A Hidra é uma espécie de sofista feminima que era tão hábil que fazia brotar muitas cabeças do argumento no lugar das destruídas.
Sócrates diz preferir ser refutado a refutar com tais argumentos. O método erístico é o de agarrar qualquer frase que venha à tona para produzir contradições. Um alvoroço inconsequente em torno de matérias inconsequentes.
Sócrates se dá por vencido diante de tais disparates, aplaude os irmãos, ironicamente dizendo serem brilhantes na argumentação.
Nota deste escriba. Platão foi realmente um escritor diferenciado, o fundador da filosofia. Este diálogo tem um estilo muito diferente dos anteriores, com a figura de dois bufões fazendo malabarismos com palavras.
O meu primeiro contato com a palavra “erística” veio de um livro do filósofo Arthur Schopenhauer, sobre “Como vencer um debate sem ter razão”, escrito uns 2000 anos depois deste diálogo de Platão.
Schopenhauer chama as técnicas de “dialética erística”, e lista 38 estratagemas que podem ser utilizados: ataques ad hominem, exagero nas palavras, interpretação forçada, impor autoridade, ser irônico, etc… Neste diálogo, os irmãos bufões utilizam de quase todas as técnicas possíveis…
Fica a indicação, é uma excelente leitura (e o preço de hoje é de apenas R$ 8,00).
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Originally published at https://ideiasesquecidas.com on April 2, 2023.