Dr. Strangelove e o erro de cálculo nuclear

Arnaldo Gunzi
4 min readMar 16, 2022

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O clássico filme “Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”, de 1964, é uma comédia sem graça, extremamente sem graça, porém genial. Genial como tudo o que Stanley Kubrick fez. É um alerta que continua válido, ainda mais para os dias de hoje, de conflito militar com uma potência detentora de armas nucleares. No Brasil, o título é “Dr. Fantástico”.

Em linhas gerais, o filme conta a história de um general americano (o general Ripper) que ordena, por si só, o lançamento de uma bomba atômica de hidrogênio na União Soviética, através de um bombardeiro B-52 subordinado a ele. O general segue todos os procedimentos para designar a missão, e os códigos para os aviadores armarem a bomba, incluindo cortar comunicações com o mundo externo, exceto se recebessem um código secreto.

Outros oficiais notam o plano, e ordenam o general Ripper a abortar a missão: porém, ele se tranca em seu escritório e comete suicídio para não revelar o código.

Nessa situação, as autoridades máximas dos EUA e URSS se comunicam em suas respectivas salas de guerra, tentando encontrar meios de parar o lançamento da bomba. O Dr. Strangelove é um ex-cientista nazista, agora conselheiro do presidente americano (foi inspirado em pelo menos 4 cientistas da vida real).

No final, há um problema no lançamento da bomba, e o aviador caubói (!!) tenta de todos os jeitos lançar a bomba de hidrogênio na URSS. Será que ele conseguiu? Não vou contar, veja o filme.

Apesar de ser uma sátira, com uma série de piadinhas infames, há uma série de conceitos sérios e imensamente provocadores.

  • Era o auge da Guerra Fria EUA X URSS, com a ameaça de uma guerra nuclear pairando no ar (eita sensação de ‘deva ju’)
  • A doutrina do “MAD”, de “destruição mútua assegurada”, foi cunhada por John Von Neumann, brilhante matemático. Como tanto os EUA quanto a URSS possuem bombas atômicas, um único ataque de qualquer um dos lados causaria retaliação imediata do outro lado, e assim sucessivamente, escalando a guerra até a destruição total de ambas as potências — e do resto do planeta, em consequência
  • Esse balanço de poderes é um dos temas principais da Teoria dos Jogos, ramo de conhecimento que lida com decisões entre dois ou mais jogadores, e teve o próprio Von Neumann como um dos fundadores
  • Uma forma assustadora de quebrar esse equilíbrio é o com “First Strike”. Um primeiro ataque, completamente devastador de um dos lados, de forma a aniquilar o inimigo, nocautear, não deixar pedra sobre pedra. Aliás, essa era a hipótese do General Ripper: dar o primeiro passo e, diante da certeza do lançamento da bomba inicial, obrigar os EUA a fazer um superataque e destruir a URSS

Interlúdio: no espírito das piadinhas sem noção do filme, o First Strike lembra o lema do Cobra Kai, os vilões do Karatê Kid: “Strike first, strike hard, no mercy”!

O filme, além de ser um sucesso de crítica e público, teve o efeito de alertar autoridades dos EUA e de outros países, que acabaram reforçando os sistemas de segurança dessas armas capazes de mudar o mundo.

Trivia:

  • Como era usual, Kubrick fez uma pesquisa extremamente detalhada para retratar fidedignamente aeronaves, bombas e procedimentos de segurança
  • A fim de instigar o ator George Scott a fazer cenas engraçadas, Kubrick o enganou. Disse para performar exageradamente, porque seriam só treinos antes da versão final — porém, foram exatamente essas as cenas utilizadas. Scott, enfurecido, prometera nunca mais trabalhar com o diretor
  • Kubrick entrou com processo para atrapalhar um viu um filme rival, Fail Safe, que tinha temáticas semelhantes. Deu certo, Dr. Strangelove foi lançado 9 meses antes de Fail Safe, que não teve muita repercussão
  • Kubrick é o meu cineasta favorito. O extraordinário “2001, Uma Odisseia no Espaço”, é o meu filme favorito de todos os tempos, mesmo tendo assistido dezenas de outras produções modernas, na era da Netflix. Gênio, obssessivo, perfeccionista.

Veja também:

O mundo é não-linear. Erros de cálculo ou alguns poucos eventos súbitos podem mudar o rumo de todo o futuro. Vide dois exemplos abaixo.

Sobre MAD e First Strike:

https://en.wikipedia.org/wiki/Pre-emptive_nuclear_strike#:~:text=First%20strike%20capability%20is%20a,left%20unable%20to%20continue%20war.

https://en.wikipedia.org/wiki/Mutual_assured_destruction

Originally published at https://ideiasesquecidas.com on March 16, 2022.

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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