Como evitar um desastre climático

Arnaldo Gunzi
10 min readFeb 25, 2021

--

Resumo e discussão do novo livro de Bill Gates, “Como evitar um desastre climático”.

O fundador da Microsoft e atualmente o maior filantropo da face da Terra, é uma das pessoas mais inteligentes ainda vivas. Tem pouquíssimo carisma, é demonizado por muitos, porém é alguém extremamente efetivo no que faz, conforme adiantei no link aqui ( https://ideiasesquecidas.com/2021/02/21/bill-gates-a-vacina-da-poliomelite-e-o-seu-modo-de-pensar/).

Alguns pontos do seu livro sobre mudanças climáticas. https://amzn.to/3qTh106

Há dois números que você precisa ter em mente sobre mudanças climáticas. Um é 51 bilhões. O outro, zero.

51 bilhões são as toneladas de gases de efeito estufa que o mundo lança à atmosfera anualmente. Embora isso possa variar para mais ou para menos a cada ano, de modo geral está subindo. É onde estamos hoje. Zero é o que devemos almejar. Para impedir o aquecimento global e evitar os piores efeitos das mudanças climáticas, o ser humano precisa parar de emitir gases de efeito estufa.

Atualmente, 1 bilhão de pessoas não contam com acesso confiável à eletricidade e que metade delas vivia na África subsaariana. Renda e energia andam de mãos dadas.

O mundo precisa gerar mais energia para que os pobres possam prosperar, mas sem liberar mais nenhum gás de efeito estufa. O problema então pareceu ainda mais complicado. Não bastava fornecer energia barata e confiável para os pobres. Ela também tinha de ser limpa.

Eis uma analogia bastante útil: o clima é como uma banheira sendo enchida lentamente. Mesmo se fecharmos um pouco a torneira e deixarmos apenas um fio de água escorrendo, em algum momento a banheira acabará transbordando.

Em 2020, o desastre chegou quando um novo coronavírus se espalhou pelo mundo. Para qualquer um que conheça a história das pandemias, a devastação causada pela covid-19 não foi uma surpresa. Eu estudava surtos de doenças havia anos como parte de meu interesse em iniciativas globais de saúde e ficara preocupadíssimo, já que o mundo não estava pronto para lidar com uma pandemia como a gripe de 1918.

Após o coronavírus, as emissões de gases de efeito estufa no mundo devem ter caído apenas 5%. O extraordinário não é como as emissões diminuíram devido à pandemia, mas como a queda foi pequena. Essa diminuição pouco considerável é uma prova de que não conseguiremos chegar a emissões zero apenas andando menos de avião e carro.

Também invisto em tecnologias de carbono zero. Gosto de pensar nelas como outra espécie de compensação para minhas emissões. Já investi mais de 1 bilhão de dólares em propostas que espero que ajudem o mundo a chegar a zero, incluindo energia limpa barata e confiável e cimento, aço, carne e outros produtos e serviços de baixas emissões. E não conheço ninguém que faça maiores investimentos em tecnologias.

Fiquei surpreso quando descobri que aquilo que parecia ser um pequeno aumento na temperatura global — apenas 1ºC ou 2ºC — poderia na verdade causar grandes problemas. Mas é verdade: em termos de clima, uma mudança de apenas alguns graus significa muita coisa. Durante a última era do gelo, a temperatura média era apenas 6ºC mais baixa do que hoje.

Esse momento chegará em trinta anos? Cinquenta? Não sabemos ao certo. Mas, considerando como o problema será difícil de resolver, mesmo que o pior momento seja daqui a cinquenta anos, precisamos agir desde já. Já elevamos a temperatura em pelo menos 1ºC desde o período pré-industrial e, se não reduzirmos as emissões, provavelmente teremos um aquecimento de 1,5ºC a 3ºC até meados deste século, e entre 4ºC e 8ºC até o fim dele.

E todo esse calor extra possui efeitos colaterais; por exemplo, significa que as tempestades têm se agravado.

Essas tempestades mais fortes estão criando uma estranha situação de oito ou oitenta: embora chova mais em alguns lugares, outros sofrem com secas mais frequentes e severas. O ar mais quente pode reter mais umidade, e à medida que se aquece torna-se mais seco.

O nível do mar vai subir. Isso ocorre em parte por causa do derretimento do gelo polar, mas também porque a água se expande conforme esquenta.

Por fim, com o calor e o excesso de dióxido de carbono que o causa, plantas e animais também serão afetados. Segundo pesquisa do ipcc, um aumento de 2ºC diminuiria o território geográfico de vertebrados em 8%, de plantas em 16% e de insetos em 18%.

Até meados do século, as mudanças climáticas podem ser tão mortais quanto a covid-19 e, em 2100, cinco vezes mais letais.

Há um ótimo motivo para os combustíveis fósseis estarem por toda parte: custam uma merreca. Ou seja, petróleo é mais barato que refrigerante.

Jamais conseguiremos emissões zero sem políticas públicas adequadas, e ainda estamos longe disso. (Falo dos Estados Unidos, mas isso se aplica a muitos outros países também.)

Em suma: precisamos realizar algo gigantesco, nunca visto antes, muito mais rapidamente do que qualquer coisa similar já feita. Para isso, necessitamos de muitos avanços na ciência e na engenharia.

Qual é a proporção de gases de efeito estufa gerada pelas coisas que fazemos?

  • Fabricar as coisas (cimento, aço, plástico) 31%
  • Ligar as coisas na tomada (eletricidade) 27%
  • Cultivar e criar as coisas (plantas, animais) 19%
  • Transportar as coisas (aviões, caminhões, cargueiros) 16%
  • Manter as coisas quentes e frias (sistemas de aquecimento, ar-condicionado, 7%

(Gates chama de “Prêmios Verdes” o quanto a mais temos que pagar para obter energia com emissão zero. A seguir, ele faz uma extensa pesquisa sobre as matrizes energéticas existentes, alternativas e seus prêmios verdes)

Captura direta do ar, também conhecida pela sigla em inglês dac. (Para resumir, o ar é soprado sobre um dispositivo que absorve dióxido de carbono, e depois o gás é armazenado, por segurança.) A dac é uma tecnologia cara e está longe de ter sua eficácia comprovada, mas se funcionasse em larga escala nos permitiria capturar dióxido de carbono independentemente de quando e onde fosse produzido.

A energia hidrelétrica tem muita coisa a seu favor — é relativamente barata -, mas também tem grandes desvantagens. O represamento desaloja comunidades locais e a vida selvagem. Se há muito carbono no solo de um terreno que cobrimos com água, esse carbono acaba virando metano e escapa para a atmosfera — por isso estudos mostram que, dependendo de onde é construída, a represa pode na verdade ser uma fonte de emissão pior do que o carvão por cinquenta a cem anos antes de compensar todo o metano.

Mas o petróleo barato e as linhas de transmissão caras não são os maiores responsáveis pelo Prêmio Verde na geração de eletricidade. Os principais culpados são nossa exigência de confiabilidade e a intermitência. O sol e o vento são fontes intermitentes — não geram eletricidade 24 horas por dia, 365 dias por ano. Mas não é o caso de nossas necessidades energéticas: queremos energia o tempo todo.

Baterias têm um custo proibitivo. A eletricidade que armazenamos para uso noturno custará três vezes mais do que a consumida durante o dia.

A ideia é ilustrar uma questão crucial: armazenar eletricidade em larga escala é complicadíssimo e caríssimo, mas teremos de fazer isso se vamos depender de fontes intermitentes para gerar uma porcentagem significativa da eletricidade limpa que consumiremos nos próximos anos.

Sobre energia nuclear:
Os cientistas e os engenheiros apresentam várias soluções. Estou muito otimista com a solução criada pela TerraPower, empresa que fundei em 2008, unindo algumas das melhores cabeças na física nuclear e na produção de modelos computacionais para projetar um reator nuclear de última geração.

A energia nuclear é perigosa? Não se levarmos em conta o número de mortes causadas por unidade de eletricidade.

O mais importante é o mundo voltar a levar a sério o desenvolvimento do setor de energia nuclear. Ele é simplesmente promissor demais para ser ignorado.

Com o concreto, o desafio é ainda mais complicado. Para fabricá-lo, misturamos cascalho, areia, água e cimento. Os três primeiros são relativamente tranquilos; é o cimento que traz problemas para o clima. Para fabricar cimento, precisamos de cálcio. Para obter cálcio, começamos pelo calcário — que contém cálcio, mais carbono e oxigênio. A queima do calcário resulta no que queremos — cálcio para o cimento — e em algo que não queremos — dióxido de carbono. Não se conhece uma forma de fabricar cimento sem passar por esse processo.

Fabrique uma tonelada de cimento e produza uma tonelada de dióxido de carbono.

De onde o plástico costumam obter seu carbono: refinando petróleo, carvão ou gás natural e em seguida processando os produtos refinados de várias maneiras. Isso ajuda a explicar por que os plásticos são conhecidos por custar pouco: como cimento e aço, o plástico é barato porque os combustíveis fósseis são baratos.

Resumindo, o caminho para emissões zero na manufatura é mais ou menos o seguinte: 1. Eletrificar todos os processos possíveis. Isso exigirá muita inovação. 2. Obter essa eletricidade de redes elétricas descarbonizadas. 3. Utilizar captura de carbono para absorver as emissões remanescentes. Idem. 4. Usar materiais com mais eficiência.

Criar animais para alimentação é uma das principais causas de emissões de gases de efeito estufa.

Um frango, por exemplo, tem de ingerir o equivalente a duas calorias de grãos para render uma caloria de carne — ou seja, precisamos alimentar um frango com o dobro das calorias.

Um porco ingere o triplo das calorias que proporciona quando vira alimento. Para bovinos, a proporção é a mais elevada de todas: seis calorias de alimento para cada caloria de carne.

No mundo todo, cerca de 1 bilhão de cabeças de gado são criadas para fornecer carne e laticínios. O metano de seus arrotos e peidos exerce anualmente o mesmo efeito de aquecimento de 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, correspondendo a cerca de 4% das emissões globais totais.

Uma opção é a carne vegetal: produtos à base de planta processados de várias maneiras para imitar o sabor da carne. Sou um investidor em duas empresas de produtos vegetais — a Beyond Meat e a Impossible Foods -, portanto sou suspeito para falar, mas acho a carne artificial muito boa. Quando preparada do jeito certo, é um substituto convincente para a carne moída.

Porém, a carne artificial vem com um pesado Prêmio Verde. Em média, um substituto de carne moída custa 86% a mais do que carne de verdade

Para cultivar nossas safras, precisamos de toneladas de nitrogênio — muito mais do que seria possível encontrar em um ambiente natural. É adicionando nitrogênio que criamos pés de milho de três metros de altura e conseguimos imensas quantidades de sementes.

O cultivo exige fertilizantes. O processo de refino, quando as plantas são transformadas em combustível, também gera emissões. E a agricultura para fabricação de combustível ocupa um terreno que de outro modo seria utilizado para cultivar alimento — o que pode forçar os fazendeiros a desmatar para ter onde plantar.

Além disso, embora as unidades de ar-condicionado representem o maior consumo de eletricidade, não são as maiores consumidoras de energia nos lares e estabelecimentos americanos. Essa honra vai para nossos sistemas de calefação e aquecedores de água.

No mundo todo, há 1,6 bilhão de aparelhos de ar-condicionado em uso, mas não são distribuídos de forma equilibrada. Em países ricos como os Estados Unidos, 90% ou mais das casas têm sistema de refrigeração, enquanto nos países mais quentes do mundo, esse número é de menos de 10%.

É cada vez mais difícil fornecer água potável para todos. A maioria das megacidades do mundo já enfrenta graves períodos de escassez, e, se nada mudar até meados do século, a quantidade de gente sem acesso a água limpa pelo menos uma vez por mês crescerá em mais de um terço, chegando a 5 bilhões de pessoas.

Duas tecnologias altamente disruptivas e polêmicas:

Para compensar o aquecimento causado por gases de efeito estufa lançados à atmosfera, precisamos reduzir a quantidade de luz do sol que chega ao planeta para cerca de 1%.** Existem várias maneiras de fazer isso. Uma envolve espalhar partículas extremamente finas — com milionésimos de centímetro de diâmetro — nas camadas mais altas da atmosfera.

Outra iniciativa de geoengenharia é tornar as nuvens mais brilhantes. Como a luz do sol se esparrama pelo topo delas, poderíamos tornar a luz ainda mais difusa e resfriar o planeta borrifando sal nas nuvens, para dispersarem mais a luz. E não seria preciso uma mudança dramática; para chegar a uma redução de 1%, precisaríamos apenas aumentar em 10% o brilho das nuvens que cobrem 10% da área terrestre.

Sobre políticas:
Precisamos que o governo desempenhe um papel igualmente imenso para criar os incentivos certos e assegurar que esse sistema funcione para todos.

Devemos expandir a oferta de inovações — o número de novas ideias que são testadas — e a outra, a acelerar a procura por inovações. O trabalho nessa primeira fase é o clássico processo de pesquisa e desenvolvimento.

Calcular um preço para o carbono. Seja na forma de um imposto ou de um sistema de comércio de carbono em que as empresas possam comprar e vender o direito de emiti-lo, precificar as emissões é uma das coisas mais importantes que podemos fazer para eliminar os Prêmios Verdes.

O que podemos fazer?

Compre um veículo elétrico. Os veículos elétricos avançaram muito em termos de custo e desempenho.

Experimente um hambúrguer vegetariano.

Uma lista de tecnologias:

  • Hidrogênio produzido sem emissão de carbono
  • Armazenamento de eletricidade em escala de rede capaz de durar uma estação do ano inteira
  • Eletrocombustíveis
  • Biocombustíveis avançados
  • Cimento de carbono zero
  • Aço de carbono zero
  • Carne e laticínios derivados de vegetais e células-tronco
  • Fertilizantes de carbono zero
  • Fissão nuclear de última geração
  • Fusão nuclear
  • Captura de carbono (tanto direto do ar como no local de emissão)
  • Transmissão de eletricidade subterrânea
  • Plásticos de carbono zero
  • Energia geotérmica
  • Hidrelétrica reversível
  • Armazenamento termal
  • Cultivos tolerantes a secas e inundações
  • Alternativas de carbono zero para o óleo de palma
  • Fluidos refrigerantes sem gases fluorados

Há mercados de bilhões de dólares à espera de que alguém invente cimento, aço ou combustível líquido de carbono zero a baixo custo.

Algumas recomendações do livro:

  • Earth’s Changing Climate, Richard Wolfson, The great courses.
  • Weather for Dummies
  • Energy Transitions e Energy Myths and Realities, de Vaclav Smil

Veja também:

https://ideiasesquecidas.com/resumos/

Originally published at https://ideiasesquecidas.com on February 25, 2021.

--

--

Arnaldo Gunzi
Arnaldo Gunzi

Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

No responses yet