A terrível estratégia bélica que salvou o Império Romano

Arnaldo Gunzi
5 min readFeb 11, 2021

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Lembra do poderoso Império Romano, que se estendeu por séculos e dominou a Europa inteira?

Talvez a história fosse completamente diferente, e talvez hoje não estivéssemos falando de um Império Romano, e sim, de um Império Cartaginense que dominou a Europa toda por séculos.

Cartago e Roma entraram em confronto, em ocasiões conhecidas como as Guerras Púnicas. Nesta, muito se fala do grande general cartaginense Aníbal Barca, que cruzou o Mediterrâneo e atravessou os Alpes, com um exército de homens e elefantes, e obteve vitórias humilhantes sobre os romanos.

Porém, apesar de vitórias espetaculares, Aníbal perdeu, no final das contas. Roma venceu a guerra contra Cartago, sem ter vencido nenhuma batalha contra Aníbal. Se fosse um campeonato de futebol, era como se Roma tivesse sido campeão sem ter vencido nenhum jogo.

Como isso foi possível? É aí que entra a…

A estratégia fabiana

Quintus Fabius Maximus Verrucosus, também conhecido como o Cunctator (o postergador), foi o comandante militar e ditador de Roma.

Ele foi eleito ditador em 217 a.C., após uma sequência humilhante de derrotas de Roma para Aníbal. Nota: Um ditador era um líder com poderes especiais para enfrentar situações de crise, e na Roma antiga eles poderiam ser eleitos e tirados do poder.

O exército cartaginense era espetacularmente forte, e Aníbal, um brilhante estrategista. Fabius, ao invés de partir para o confronto direto, partiu para uma guerra de atrito e desgaste. Ele fez o exército romano acompanhar Aníbal de longe. Sempre posicionava as tropas em lugares altos, de forma a impossibilitar ataques surpresa. Atacava a cadeia de suprimentos de Aníbal, e atazanava os cartaginenses com ataques regulares.

Fabius também não caía nas provocações de Aníbal, por mais vantajosa que a ocasião parecia ser. Ele sabia que o cartaginense era especialista em criar armadilhas. Sendo de natureza bastante conservadora, Fabius foi jocosamente apelidado de “ovelhinha”, e “o postergador”.

Voltado à analogia do campeonato, era como se Roma jogasse numa retranca impenetrável, com 10 zagueiros dentro da área. Porém, da mesma forma, ninguém gosta de ver um time na defesa o tempo todo, as pessoas gostam daquele que ousa, e parte para cima, o ofensivo vencedor.

A estratégia de Fabius gerou uma série de críticas de seus rivais políticos, e à medida que o tempo passava, a lembrança das derrotas passadas ia ficando mais distante.

Quando acabou o mandato de ditador de Fabius, Roma colocou outro comandante em seu lugar, que tentou realizar um ataque decisivo para aniquilar o oponente. O resultado foi uma desastrosa derrota romana em Cannae (em 216 a.C.). Daí para frente, Roma aprendeu a lição, e retornou à estratégia fabiana. Foi um momento crucial para Roma, porque, após inúmeras derrotas, ela estava quase indo à lona. A estratégia fabiana essencialmente salvou o Império Romano.

O exército de Anibal ficou perambulando pela Itália por mais 15 anos. Eles não tinham poder suficiente para sitiar Roma, e nem outra grande cidade murada. O seu ataque forte ficava anulado se não tinham com quem batalhar. Além disso, os homens de Aníbal eram parte deum exército profissional, visando ao lucro de pilhagens e ganhos rápidos, ao passo que os romanos poderiam esperar o tempo que fosse necessário.

A estratégia fabiana joga com o tempo a seu favor. Troca um ataque maciço concentrado por pressão contínua por um tempo maior. Vence não por destruir o oponente diretamente, mas por exaurir os seus recursos (dinheiro, suprimentos, paciência). Vence por não perder, sabendo que pode suportar perdas por mais tempo que o outro lado.

Os cartaginenses permaneceram isolados no sul da Itália, até que os romanos ganhassem força suficiente para contra-atacar, com o general Cipião africano, que derrotou Aníbal.

A Segunda Guerra Púnica durou de 218 a.C. até 201 a.C.

A estratégia fabiana também foi famosamente adotada por George Washington, na Revolução Americana. Ao invés de utilizar ataque direto, ele adotou a estratégia de atrito contra os britânicos, vencendo-os no final.

Algo semelhante ocorreu na vitória Russa contra Napoleão: foram recuando, dando espaço dentro do vasto território russo, atacando as linhas de suprimento e fustigando os franceses, até que o terrível inverno da região virasse o jogo.

Outra menção digna de nota é a Sociedade Fabiana, formada na Inglaterra. É uma vertente socialista, porém ao invés de vencer pela revolução, a ideia é vencer pela evolução. Usa exatamente a estratégia fabiana: atacando os flancos, ganhando aos poucos e sempre. O primeiro logotipo deste grupo era um lobo em pele de cordeiro, provavelmente uma homenagem à ovelhinha que salvou Roma! Depois, trocaram para uma tartaruga, devagar e sempre, como na fábula de Esopo.

Em negócios, é muito comum um grande player baixar preços ou até dar de graça, suportando prejuízos, por mais tempo do que o oponente consegue ficar solvente (digamos Internet Explorer x Netscape Navigator).

Enquanto Aníbal entra para a história como um dos grandes generais de todos os tempos, Fabius é apenas uma nota de rodapé. Na vida real, Fabius foi extremamente mais importante, ao não levar Roma à derrota total. No final, Roma foi um dos maiores impérios da história, e foi Cartago que virou a nota de rodapé.

A estratégia fabiana não é simplesmente postergar e não fazer nada, e sim, trocar ataque pontual por pressão contínua. Energia por paciência. Cercar, fustigar, perder batalhas pequenas, mas vencer a guerra a longo prazo.

Utilize variantes da estratégia fabiana em sua vida!

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Originally published at https://ideiasesquecidas.com on February 11, 2021.

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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