A Era da Inteligência Artificial chegou para ficar

Arnaldo Gunzi
5 min readApr 23, 2023

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Alguns comentários sobre o livro “A Era da Inteligência Artificial”, de Henry Kissinger, Eric Schmidt e Daniel Huttenlocher.

O que um diplomata de 98 anos pode nos ensinar sobre Inteligência Artificial? Essa foi a minha primeira pergunta, ao ver o nome de Henry Kissinger na capa do livro.

Kissinger é um dos diplomatas mais famosos do mundo. Viveu seu auge na guerra fria contra a União Soviética, nos anos 70. Ganhou o Nobel da Paz em 1973 por negociar o cessar-fogo na guerra do Vietnã. Orquestrou abertura de relações com a República Popular da China.

O segundo nome, Eric Schmidt, foi CEO do Google entre 2001 e 2011 e chairman de 2011 a 2014. Um dos responsáveis por tornar a empresa o que ela é hoje.

Já o terceiro, um professor do MIT, bem menos famoso que os outros autores.

Um trio deveras incomum.

Bom, a fim de satisfazer a curiosidade da pergunta do início do texto, obtive o livro (emprestado) e comecei a ler.

Logo no prefácio, algumas respostas. O livro nasceu de um encontro entre Schmidt e Kissinger, e depois envolveu Huttenlocher. Fizeram uma série de reuniões sobre o tema, inclusive remotamente, na pandemia, e o livro é fruto desse esforço.

Não dá para esperar que Kissinger escreva necessariamente as palavras no texto, mas nota-se a força de suas ideias, principalmente nos aspectos geopolíticos da IA.

Enfim, o livro é um amálgama dos autores. Claramente há uma estrutura. Huttenlocher descrevendo o histórico das evoluções passadas e perspectivas futuras sobre IA, Schmidt sobre plataformas globais, e Kissinger, aspectos de segurança nacional e ordem mundial.

Por isso tudo, vale resumir nesses três grandes blocos.

Onde estamos e para onde vamos?

Em 2020, investimentos em IA chegaram a US$ 38 bi nos EUA, US$ 25 bi na Ásia e US$ 8 bi na Europa.

Três exemplos recentes de avanço da IA:

  • AlphaZero venceu o StockFish, mais avançado engine de xadrez da época, em 2017. Detalhe que o AlphaZero não foi programado com regras, mas aprendeu sozinho jogando contra si mesmo;
  • O Halicin, antibiótico desenvolvido pelo MIT em 2020, que conseguia matar bactérias resistentes a outros antibióticos, foi descoberto com a ajuda de IA, que encontrou padrões não óbvios na composição molecular do composto;
  • O GPT3, que atualmente explodiu com o chatGPT e Dall-E

“O advento da IA nos obriga a confrontar se há uma forma de lógica que os humanos não atingiram ou não conseguem atingir.”

A mudança na forma de decisão é suficientemente diferente para alterar a trajetória da sociedade. Processos serão assistidos por IA, numa escala de puramente humano, híbrido humano-IA e puramente IA.

A seguir, os autores contam sobre a história da IA, desde conceitos como o Teste de Turing até desenvolvimentos mais modernos, como redes neurais adversárias (GANs). Essa parte não tem novidade em relação a outros livros semelhantes, então vamos direto para o bloco seguinte.

IA e plataformas de rede

A IA já está entre nós, no web search, streaming de vídeos e outros. Devemos redirecionar a ansiedade tecnológica para encorajar maior entendimento e transparência.

Uma “plataforma de rede” é um serviço digital que provê valor ao usuário agregando grandes volumes de informação, frequentemente numa escala global (um exemplo é o Google, e claramente esse capítulo teve muita influência de Schmidt).

Em menos de uma geração, as maiores plataformas de rede têm base de usuários maior que muitos países. As bordas entre usuários são mais difusas que as divisões políticas e geográficas. Também em termos econômicos, elas se equiparam a países. Apesar da motivação primária das plataformas ser fazer negócios, tamanha escala os tornam players significantes em geopolítica.

Estados Unidos (Google, Facebook, Uber) e China (Baidu, WeChat, Didi Chuxing) evidenciam que a competição entre players transcende o comercial e chega a ser geopolítico.

Exemplo de incongruência entre o espaço digital e regras tradicionais são as regras e padrões diferentes que cada grande plataforma cria.

À medida que as plataformas assumirem papéis maiores, terão funções que podem rivalizar com atividades governamentais, e haverá desafios cada vez maiores em termos de regras éticas, influência e geopolítica.

IA e a nova ordem mundial

Desde sempre, segurança é o objetivo mínimo de uma sociedade organizada. Avanços tecnológicos têm se tornado instrumentos de defesa ou ameaça, seja em metalurgia, engenharia para construção de fortificações ou navios.

A IA tem o potencial de mudar o balanço de forças no mundo, de algumas formas diferentes.

  • Guerra cibernética, aumentando o potencial de desinformação, inteligência e sabotagem;
  • Armas autônomas de precisão, como drones autônomos, ou jatos de caça pilotados por AI capazes de manobras impossíveis para um ser humano comum (assim como o AlphaZero foi capaz de criar estratégias nunca antes vistas);
  • Influenciar estratégias de dissuasão (deterrence). Desde a proliferação de armas nucleares, algumas doutrinas têm sido praticadas. Ameaças de utilização de bombas nucleares diante de qualquer ameaça não são críveis, porque a real utilização destas causariam um desastre mundial, a chamada Destruição Mútua Assegurada (MAD). Utilização de bombas de menor escala, chamadas “táticas”, são uma alternativa, porém incertas em termos do revide poder escalar para uma guerra nuclear. Com o papel cada vez maior da IA, alguma estratégia não razoável em termos humanos pode ocorrer, e que pode causar consequências imprevisíveis.

Conclusão

O produto final é um pouco estranho, querendo abraçar uma gama grande de temas e de forma breve em cada (o livro tem umas 200 páginas, espaço duplo, letra grande). Especialmente interessante é o link entre IA e geopolítica mundial, o que faz todo sentido, porém não é algo que as pessoas relacionem diretamente.

Uma mensagem é a de países terem a IA como um projeto nacional. Um grupo ou comissão com duas funções, ao menos:

  • Nacionalmente, assegurar que o país seja competitivo intelectualmente e estrategicamente em IA
  • Globalmente e nacionalmente, estudar e conscientizar sobre implicações culturais da IA

O sentimento final é como se você estivesse numa roda de conversas com Kissinger, Schmidt e Huttenlocher, extraindo um pouco da sabedoria de cada um deles. Uma conversa um pouco mais informal, sem entrar em muito tecniquês ou teorias elaboradas demais. O livro é um legado de pessoas que merecem serem ouvidas.

Agradecimentos ao amigo Igor Queiroz por emprestar o livro.

Link da Amazon: https://amzn.to/40rM6sQ

Originally published at https://ideiasesquecidas.com on April 23, 2023.

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Written by Arnaldo Gunzi

Project Manager - Advanced Analytics, AI and Quantum Computing. Sensei of Analytics.

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